Como havia comentado na semana passada, achava o cenário traçado pela BB Investimentos, de dólar a R$4,75, perfeitamente normal e até um pouco otimista em relação ao cenário que, desde o fim de 2018, vem se desenhando na economia nacional. Inclusive indiquei, naquele momento, que a casa dos R$5 me parecia mais provável. Ironicamente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também tratou do tema, limitando-se a dizer que “se fizesse muita besteira” poderia chegar mesmo a esse patamar. Ao que parece, a moeda americana ignorou a fala e hoje, durante a abertura, ficou a um ponto de atingir o estrondoso patamar de R$4,80.
A economia global está derretendo num ritmo não visto desde a crise de 2008-09, quando os mercados financeiros dos EUA chegaram a flertar com um colapso total, demandando uma intervenção maciça do governo, que injetou trilhões de dólares no sistema. A diferença, contudo, é que naquele caso a situação era inteiramente “humana”: uma série de decisões economicamente irracionais – a aquisição em massa de contratos de dívida de alto risco lastreados no mercado imobiliário dos EUA – corroeu a base de bancos e outras instituições.
Não é o caso do Coronavirus, que é regido apenas pela lei da seleção natural das espécies e cujas mudanças, para o bem ou para o mal, são absolutamente imprevisíveis. Ficando tudo como está, temos um cenário bastante negativo: a taxa de mortalidade da doença gira em torno de 3,4% e se espalhou rapidamente pelos quatro continentes, apesar de um esforço imenso para conter seu avanço na China e no restante da Ásia, onde surgiram os primeiros casos, mas também na Europa. O último caso é da Itália, que estabeleceu uma quarentena em torno da Lombardia, que comporta centros como Milão e Veneza, além de aproximadamente um quarto do país.
Os impactos econômicos daquilo que alguns veículos, como a CNN, começam agora a chamar de pandemia – ainda que, por enquanto, contrariando a Organização Mundial da Saúde (OMS) – são imprevisíveis. Até o momento, companhias aéreas e setores do turismo foram as mais afetadas, devido às restrições impostas a mobilidade global. Eventos com grande concentração de pessoas estão sendo cancelados, o último deles foi o festival South by Southwest (SXSW), um dos maiores do mundo. Além disso, algumas das maiores empresas do mundo, como Facebook, Amazon (NASDAQ:AMZN) e Google (NASDAQ:GOOGL), pediram aos/às funcionários/as do Vale do Silício (sedes) e Seattle que adotem home office para conter a proliferação do vírus.
Como se não bastasse, leve-se em conta ainda que a Arábia Saudita e a Rússia, dois maiores exportadores de petróleo do mundo, romperam a parceria que, informalmente, chamava-se de OPEC+. A sigla indica a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC), encabeçada pela Arábia, mais outros países não membros, principalmente a Rússia. Antes, esses países trabalhavam em conjunto para frear ou acelerar a produção de petróleo em função da oferta e demanda. Entretanto, o rompimento do acordo informal levou a nação árabe a abrir a torneira, injetando excesso de oferta no mercado; a Rússia, por sua vez, promete fazer o mesmo, estando caracterizada assim uma guerra de preço: ao longo do fim de semana, o preço do barril chegou a cair 30%.
Isso se sobrepõe, como é importante lembrar, a um cenário global bastante precário: negociações sobre o Brexit estão ainda em aberto, a Guerra Comercial entre China e EUA não foi resolvida, as economias desenvolvidas continuam em desaceleração, porém com pouquíssimo espaço para estímulo monetário, dado que as taxas já estão em território negativo. No Brasil, a saída de capital estrangeiro em 2020 já supera o recorde de 2019 – em apenas 43 pregões, foram retirados cerca de 44 bilhões de dólares. Os cortes na taxa de juros (Selic) não bastaram para reanimar os ânimos do setor privado, embora tenham contribuído bastante para a alta no câmbio – colocando em xeque a eficiência da política de “câmbio baixo, juro alto”.
O PIB não cresceu e o presidente, literalmente, deu banana para o fato – ou, melhor dizendo, pediu a um humorista que, fantasiado, o imitava, que fizesse por ele. A repercussão internacional, como de costume, foi negativa e se junta a uma longa lista de polêmicas inúteis perpetradas pela trupe do Planalto. Paulo Guedes, em almoço com lideranças das manifestações do dia 15 de março chorou e pediu apoio. O movimento, que já fez acenos ao autoritarismo e se coloca abertamente contra o Congresso e o STF – que enxergam como empecilhos ao avanço do país – recebeu endosso do Presidente, correndo uma relação já precária com os outros poderes.
Tudo isso, obviamente, joga contra uma recuperação da economia brasileira. Com a taxa de juros baixa, o país não tem quase nada a oferecer. Em suma, o juro oferecido pelo instrumento mais seguro da nossa economia, o título público, não paga em conformidade com o risco de se investir no Brasil – que, diga-se de passagem, aumentou 45% em 2020. Ainda assim, o Banco Central continuará avançando nos cortes, com o COPOM (Comitê de Política Monetária) praticamente garantindo uma redução pelo menos de 0,25%, em consonância com países economicamente desenvolvidos – coisa que o Brasil, definitivamente, não é.
Com a redução-surpresa da taxa de juros dos EUA – a primeira definida fora das reuniões ordinárias do Federal Reserve (Fed) desde a crise de 2008-09 –, deve ficar mantida a diferença entre as duas taxas. Entretanto, os cortes anteriores também mantiveram essa relação, mas o câmbio saiu de controle, como venho alertando há algum tempo. Quanto menor fica a Selic, menos atraente fica o país para o capital estrangeiro – constatado pelo fato de que o Real foi a moeda emergente que mais se desvalorizou frente ao dólar.
Com tudo isso em mente, o provável corte deve terminar de pressionar o dólar ao inédito patamar de cinco reais, algo que não deve demorar muito tempo independente da ação do BC – que, até o momento, fez apenas intervenções pontuais. Em todo caso, a simples injeção de dólares abaixo do preço de mercado, sem que o problema estrutural da desvalorização do real seja solucionado, não faz muita diferença: na prática, grandes instituições compram a moeda com a confiança de que o preço voltará a subir – como de fato vem ocorrendo há meses.
Do ponto de vista técnico, o indicador ATR (average true range), que mede a volatilidade ou grau de oscilação dos últimos 14 pregões, aponta cerca de 59 pontos por sessão. Com o preço fechando em R$4,70 seriam apenas 30 pontos ou, por alto, cinco sessões de valorização seguidas para rompermos esse novo patamar de desvalorização do real – que equivaleria a menos de 20 centavos de dólar. Considerando que, entre o fechamento de sexta e a abertura de hoje o dólar já se valorizou aproximadamente 2,5%, não me parece surreal – na atual conjuntura do Brasil – que os cinco reais sejam rompidos até o fim desse mês.
Sobre o autor: André Salmerón é jornalista, investidor e pesquisador na área de análise do discurso, com ênfase em economia e sociedade.
Contato: afsalmeron@gmail.com