Um dos principais compromissos deste governo, e de qualquer outro que vier, será conduzir com urgência e agilidade a chamada "agenda de reformas estruturais".
Agenda que, aliás, vem se mantendo como promessa há muitos anos, mas pouco avançando.
Lendo o último livro do economista Gustavo Franco, "Lições Amargas", este tema ganha uma atualidade impressionante e até, constrangedora.
Segundo ele, "não é de hoje que temos uma obsessão nacional por não balançar o barco".
As reformas, quando aprovadas, vem pela metade, não mexendo com certos interesses enraizados do nosso "capitalismo de Estado". Estamos muito longe de uma economia de mercado, mais parecendo uma “hanchmen`s economy”, "economia de capangas", "encroada" em muito corporativismo e reações contra a necessidade de mudanças inadiáveis. Como diria Câmara Cascudo, "somos o País que não tem problemas, apenas soluções adiadas".
Contra as reformas, "nunca estamos "prontos", ou os mais prejudicados por elas sempre se julgarem injustiçados, pleitearem um adiamento, para o governo seguinte, ou, idealmente, para a próxima geração. É sempre a mesma conversa, o mesmo papo, como se o tema fosse "inconstitucional" e as "boquinhas" pudessem sempre durar mais umas décadas".
Num balanço mais recente, talvez desde o Plano Real, a partir de 1994 algum avanço até houve neste ciclo de poder do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), mas, estranhamente, no ciclo seguinte, do petismo acabou abandonado, com poucos avanços concretos.
Algum até houve, no breve interregno do govern tampão de Michel Temer, com a reforma trabalhista discutida e avançando, mesmo que pouco. Na verdade, nestes últimos 30 anos tivemos reformas num "gradualismo excessivo e movimentos pequenos, tardios e insuficientes".
Vivemos nos últimos anos "voos de galinha", crescimentos curtos, seguidos de mergulhos recessivos, e "décadas perdidas". E agora? Como achá-las?
Segundo o economista Adolfo Sachsida, "o Brasil está cansado de voos de galinha no crescimento econômico. Não adianta crescer muito num ano e depois cair no outro. Exatamente por isso temos insistido tanto na continuidade de nossa política econômica: consolidação fiscal e reformas econômicas para o aumento de produtividade. Pilares sólidos do crescimento econômico de longo prazo."
Não tem jeito. Este é o diagnóstico, embora os heterodoxos, no esforço de se diferenciar, cismem em se mostrar "donos da história", e falem em "desenvolvimentismo", em projeto de desenvolvimento.
Agora, com o governo Jair Bolsonaro, as reformas voltaram a ser discutidas, retomadas, mas muito pelo entusiasmo do ministro Paulo Guedes do que pela vontade do presidente.
A reforma da Previdência já foi aprovada, à "meia bomba", sem algumas medidas essenciais, uma transição excessiva.
Na verdade, falta uma reforma dolorosa e necessária aos militares, a definição de uma aposentadoria única, nos dois dois regimes, servidores e trabalhadores privados, assim como do legislativo e do judiciário. Para os militares, aliás, foi criado uma reforma à parte, algo meio estranho, mostrando que Bolsonaro tem algum "compromisso" com certas categoria profissional.
Na verdade, é a reforma possível diante das circunstâncias políticas do momento.
Devemos também salientar que a criação do regime de capitalização, pelo ministro Paulo Guedes, meio que inviabilizada aos que preferiam manter o regime de participação. O problema é que este não observa a mudança da pirâmide etária do País, com o envelhecimento da população, pelo aumento da expectativa, assim como pelas transformações no mercado de trabalho, com a "pejotização" e a informalidade ganhando espaço. Isso porque é altamente custoso contratar um trabalhador pela CLT, sendo que um trabalhador que ganha passe a ganhar R$ 100, para o empregador o custo se elevar a R$ 210.
Sobre as outras reformas na pauta do Congresso agora, a tributária e a administrativa, em intensas discussões.
A reforma tributária deve ser "fatiada", com a integração dos tributos federais e a posterior adesão opcional dos estados.
Na primeira etapa, tem-se o esforço de tentar transformar o PIS Cofins na Contribuição sobre Bens e Serviços, CBS, uma simplificação marginal. Citemos também a hipótese de alteração nas alíquotas para diferentes (ou novas) faixas de renda no IR para pessoa física e jurídica.
A ideia da criação de um imposto único, o IVA, também deve ser saudada, assim como a fusão de diferentes impostos, como o IPI e o ICMS, neste caso, em discussão uma "reforma do consumo".
Não podemos esquecer também uma possível taxação sobre ganhos de capital e sobre dividendos. A recriação de uma contribuição sobre movimentações financeiras parece não ter tanta força. Outro tema, mais deixado de lado, é o da criação de impostos sobre grandes fortunas.
Na verdade, Guedes tem até uma agenda positiva na cabeça. Defende o aumento da competitividade internacional do país, pela diminuição do "custo Brasil", redução gradual do IPI e incentivo a uma economia “verde e digital”, duas de caráter mais concreto, no curto e médio prazos.
Defende que o "auxílio emergencial" seja renovado até o ano que vem, caso a situação da pandemia se mantenha grave - e provavelmente estará - ao fim da “edição" atual, em 31 de julho.
O tal "passaporte tributário", que eliminaria impostos de pequenas empresas afetadas pela pandemia, tem grandes chances de se concretizar, mas o formato efetivo ainda está longe de ser definido e viabilizado politicamente.
O fato é que apenas unificar o PIS/Cofins não é reforma tributária. Não resolve os nossos problemas e aumenta a carga para todos. Precisamos de uma reforma ampla que inclua ICMS e ISS, nossos tributos mais problemáticos e injustos. Vamos falar do bode ou elefante na sala?
A reforma administrativa terá como "cavalos de batalha" vencer as resistências e corporativismos dos servidores públicos, das várias categorias protegidas por sindicatos muito aguerridos. Esta aliás é uma discussão.
Os servidores públicos, em especial, os federais, possuem quem os represente, são combativos e defendem com eficiência seus interesses. Sabem o que querem. Já os trabalhadores do setor privado possuem representatividade pulverizada, não possuem sindicatos aguerridos e tudo perdem.
O economista Marcos Lisboa é taxativo ao defender um "Estado que trabalhe para o cidadão", um servidor público, que sirva ao cidadão e não se sirva dele.
Defende um aparelho do Estado mais profissional, com a boa definição nas métricas de avaliação. Defende também o fim da estabilidade e a criação de um período probatório para a efetivação dos servidores.
Temos um longo caminho pela frente. O que nos parece que as reformas a saírem agora, devem ser meia bomba mesmo, as possíveis diante do tal ambiente político. Sempre este discurso.
Mais uma vez, parafraseando Gustavo Franco, usando o Teorema de Lampedusa, conclui-se,
"Para que tudo fique muito parecido com o que sempre foi, não mudamos mesmo nada de fundamental, mas ficamos cultivando o "mito" das reformas, gastando energias políticas e sociais, trabalhando penas para os consensos fáceis."