Já podemos dizer que o ouro perdeu a magia dos US$2000?
Parece-nos bastante precoce afirmar isso, apesar do seu declínio constante nas últimas quatro sessões. E os indicadores técnicos sugerem que pode haver uma queda maior antes ou logo após a primeira elevação de juros nos EUA na era da pandemia, na quarta-feira.
Os investidores do ouro já amargam uma perda de 3% desde 10 de março, quando o contrato mais próximo do ouro na Comex fechou a US$2000,40 por onça, segundo vez em 19 meses em que encerrar nesse patamar. Até a derrapada desta semana, a expectativa era que o metal alcançasse uma máxima recorde acima de US$2121.
Durante o pregão desta terça-feira, em Cingapura, o contrato futuro do ouro negociado em Nova York estava abaixo dos US$1930, perto da mínima da sessão de US$1927,85.
Trata-se de uma forte desvalorização de cerca de US$148, ou 7%, em relação ao pico deste mês de US$2.078,80 no ouro da Comex, tocado no auge dos temores com a guerra na Ucrânia, que registrou um drástico declínio nas tensões nas últimas 48 horas.
O petróleo, um dos mais claros indicadores do calor geopolítico advindo do conflito russo-ucraniano, desvalorizou-se mais de 10% desde a sexta-feira, com o barril americano bem abaixo do patamar-chave de US$100, depois que o serviço de notícias russo Sputnik informou que os dois lados do conflito poderiam selar a paz, no mais tardar, até maio.
A rede ELINT News, no entanto, registrou grandes explosões em Kiev, na terça-feira, citando possíveis ataques por mísseis de cruzeiro.
Cai risco no petróleo, e ouro deve acompanhar distensão
A coragem dos investidores de precificar um arrefecimento dos riscos da guerra neste momento, apesar dos indicativos de que a paz esteja longe de ser alcançada, pode não fazer muito bem ao ouro.
Tanto o barril de WTI quanto o de Brent caíram mais de 30% desde os picos acima de US$130 em 8 de março. Como a alta do ouro até o patamar de US$2000 também deveu-se ao prêmio geopolítico, muitos se perguntam quanto o metal ainda pode se desvalorizar nas próximas 48 horas, antes que o Federal Reserve anuncie a possível alta de juros nos EUA.
Os indicadores técnicos acompanhados pelo analista Sunil Kumar Dixit sugerem uma queda até US$1887 nos preços à vista do ouro, antes ou logo após a decisão de política monetária do Fed, em 16 de março.
Abordaremos os detalhes técnicos fornecidos por Dixit em um instante; primeiro, vamos contextualizar a alta de juros e determinar o que ela representa.
É grande a expectativa de que o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) eleve os juros em 25 pontos-base, após praticamente zerá-los desde o advento da Covid-19, em março de 2020. Muitos economistas dizem que isso pode não ser suficiente.
O teste do Fed e do seu presidente, Jerome Powell, será conter a inflação, que se encontra nas máximas de 40 anos, elevando os juros em nível suficiente para arrefecer a demanda, sem jogar a economia em uma recessão.
Invasão russa dificulta o cenário do Fed
O problema de Powell é que isso tornou-se ainda mais difícil com a invasão da Rússia na Ucrânia.
Como ressaltou a Bloomberg em um comentário na semana passada, será difícil dissipar toda a turbulência causada pela guerra nos mercados financeiros e de energia mundiais, independente dos instrumentos à disposição do Fed, de cujo notável poder o presidente da instituição sempre nos lembra em seus discursos.
“Vai ser bastante complicado”, afirma Mark Zandi, economista-chefe da Moody, ao apontar para o aumento nas contas de energia, em conjunto com a derrocada dos mercados de ações e crédito, o que também pode afetar a demanda dos consumidores e aumentar as chances de uma recessão.
“O avião econômico está tocando o solo a uma velocidade muito grande, enfrentando os ventos contrários da pandemia e uma forte neblina gerada pela incerteza dos eventos geopolíticos”, disse Zandi.
“Uma elevação de 25 pontos-base na reunião de março não poderia ser considerada como uma decisão de fato, já que não seria capaz de puxar o freio de mão da inflação, impulsionada pelo conflito russo-ucraniano”, ressaltou Johan Grahn, diretor-geral de estratégia de ETFs da Allianz (DE:ALVG), em entrevista recente ao Investing.com.
Ed Moya, da OANDA, concorda, dizendo que os banqueiros do Fed vão querer demonstrar que estão combatendo a inflação, mas “não têm condições de pregar um aperto agressivo, até que tenham uma visão melhor da situação”.
Depois de ser inicialmente elogiado pela rápida ação de estímulo do Fed para ajudar a evitar que a recessão se tornasse uma depressão na pandemia, Powell agora é o bode expiatório de tudo que der errado com a inflação, sobretudo depois de admitir que o banco central interpretou o problema de forma totalmente equivocada, dizendo que era transitório.
Além de sete elevações no máximo este ano, com base no número de reuniões previstas para o Fomc, ainda há a indeterminada redução do balanço do Fed, que agora é de US$8,9 trilhões, após o banco central aumentar suas aquisições de treasuries e títulos hipotecários para respaldar a economia americana desde a emergência da Covid em março de 2020.
Essa ação reduzirá o volume de dinheiro no sistema financeiro, trazendo consequências incertas para os mercados de títulos e ações. O perigo é que, se a inflação de fato começar a ceder em resposta a esses movimentos iniciais, os formuladores da política monetária podem acabar elevando os juros demais, provocando uma recessão na economia e a queda dos mercados financeiros.
Em suma, a expectativa é que um aumento de 25 pontos-base cause pouca ou nenhuma turbulência nos mercados na próxima semana, possivelmente incentivando investidores a tomarem risco novamente no ouro, commodities e ações.
Ao mesmo tempo, uma elevação de 50 pontos-base pode ter sérias consequências. O ouro e o petróleo provavelmente afundarão, em meio ao crash em Wall Street. Pode ser ainda que a inflação dê uma breve pausa, mas o Fed certamente precisa fazer mais, se não quiser que qualquer pressão de preço volte a ganhar força.
Se o suporte a US$1925 no ouro for perdido, o alvo pode ser US$1887
O analista Dixit afirma que o preço à vista do ouro, usado em suas análises técnicas, pode alcançar US$1887 se não conseguir segurar o suporte de US$1925 após a queda para US$1927,85 na terça-feira.
“O ouro passou a cair e não demonstra qualquer força”, disse ele.
“Essa relutância pode ser resultado da formação de um topo duplo no gráfico mensal, quando o ouro físico falhou em superar a máxima recorde anterior de US$2075.”
Dixit disse ainda que a região de suporte a US$1925-1900 pode permitir que o ouro se consolide.
“Se o ouro perder e se firmar abaixo de US$1925, pode corrigir para 1906 e 1887, que é uma boa área de reversão”, disse, ressaltando ainda que o estocástico no gráfico diário estava se aproximando de níveis sobrevendidos.
Mas, em caso de repique, US$1970 poderia atuar como resistência, alertou.
“O ouro precisa de um gatilho significativo para retomar a tendência de alta, que ganha força apenas acima de US$2010 e 2030, em vista da forte resistência da semana passada”, disse Dixit.
“Esta é a semana do Fed, a mais importante desde o aparecimento da pandemia. Sem dúvida é um período de alta volatilidade”.
Aviso de isenção: Barani Krishnan utiliza diversas visões além da sua para dar diversidade às suas análises de mercado. A bem da neutralidade, ele por vezes apresenta visões e variáveis de mercado contrárias. O analista não possui posições nos ativos e commodities sobre os quais escreve.