É admirável o otimismo que o mercado financeiro demonstra em relação à disseminação do coronavírus, que ontem atingiu a marca simbólica de 3 milhões de infectados no mundo, e ao cenário político local, depois que o governo Bolsonaro tentou contornar os desgastes criados com a saída de Sergio Moro. Os investidores precisam de fatos novos para acreditar em um cenário negativo pós-pandemia ou em Brasília e continuam surfando na liquidez artificial injetada pelos maiores bancos centrais para manter o apetite por risco.
Diante disso, os negócios locais devem novamente pegar carona no rali visto no exterior, onde os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram em alta, sinalizando mais uma sessão positiva. Ontem, Wall Street cravou a quarta sessão consecutiva de ganhos, amparada na expectativa de reabertura das economias dos Estados Unidos e da Europa.
As praças europeias também amanheceram no azul, buscando ampliar a sequência de 11 altas nos últimos 14 pregões, adentrando, assim, no território dos “touros” (bull market). Já na Ásia, a sessão foi mista, com os investidores mais cautelosos em relação à retomada da atividade e às intervenções dos BCs para fornecer estímulos (dinheiro) às economias.
Alheio à tudo isso, o petróleo segue em queda livre. O comportamento da commodity reflete mais a economia real, uma vez que o derretimento dos preços do barril leva em conta as dificuldades de armazenamento, devido à pandemia. O WTI cai cerca de 20% e é cotado na faixa de US$ 10, enquanto o referencial Brent recua em torno de 4%.
Daí, então, é mais compreensível a pressão para a flexibilização das medidas de isolamento social e os planos de retomada dos negócios, de modo a evitar um colapso dos ativos reais - e, de quebra, financeiros. Mas enquanto a OMS alertou que a pandemia está longe de acabar, ressaltando o risco de uma segunda onda e observando que vários países ainda não atingiram o pico de contágio, é crescente a visão de que a recuperação econômica global será em forma de “U” - e, portanto, com um fundo mais prolongado.
Isso indica que os investidores devem continuar buscando saídas de ativos mais arriscados, principalmente de países emergentes. Nesse caso, o Brasil ganha destaque, especialmente por causa dos recentes episódios no front político, com o STF autorizando a apuração das acusações feitas por Moro, e das dificuldades em conter o coronavírus, o que pode levar o país a ainda registrar casos de Covid-19 no segundo semestre deste ano. Por tudo isso, a aposta em um “novo Brasil” pode virar puro blefe.
Mera coincidência
Mas o mercado financeiro ajustou ontem a percepção de risco político, após a crise deflagrada com a saída do agora ex-ministro da Justiça na última sexta-feira. Dois dos maiores temores foram suavizados, com o presidente Jair Bolsonaro sustentando a permanência de Paulo Guedes no comando da Economia e depois que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sinalizou que um processo de impeachment não deve ser iminente.
Isso permitiu que o Ibovespa subisse quase 4%, recuperando as perdas ao final da semana passada e pegando carona nos ganhos apurados em Nova York. Mas não impediu que o dólar fechasse em novo valor recorde pela quarta vez seguida, acima de R$ 5,65, criando uma dinâmica ruim nos negócios locais. E, ao menos que algum “milagre” aconteça, a moeda norte-americana deve encerrar hoje na faixa de R$ 5 por 30 pregões.
Esse comportamento do dólar tem reflexos no mercado de juros futuros, que recompõem prêmio de risco à medida que o Brasil vai colecionando crises (econômica, política e de saúde). Assim, até mesmo um corte na taxa básica de juros no mês que vem está em análise, pois um recuo da Selic para um novo mínimo histórico tende a elevar a pressão na moeda brasileira - reafirmando a sensação de que o real não vale um tostão.
Portanto, por mais que os investidores - locais, principalmente - tenham dado o benefício da dúvida ao governo, as sinalizações vindas do Palácio do Planalto e do Congresso não apagam por completo todo o desconforto recente envolvendo os dois “superministros” de Bolsonaro. Ou seja, a instabilidade política gerou mal-estar, minando o apoio incondicional ao governo e mostrando que o mercado doméstico ficou com o “pé atrás”.
E a sensação é de que o Brasil já viveu isso, após o famoso “Joesley Day”, que, aliás, está prestes a completar três anos. A delação indigesta dos empresários da JBS (SA:JBSS3), Joesley e Wesley Batista, abalou a República e sepultou o governo de Michel Temer, que acabou sendo um presidente decorativo até a eleição de Bolsonaro. À época, os investidores já não contavam mais com as reformas, o ajuste fiscal, a base aliada e a equipe econômica...
A diferença é que os estrangeiros começaram a zarpar daqui apenas no fim de 2018 - à medida que o então candidato de (extrema) direita se firmava na liderança das pesquisas eleitorais. E se os “gringos” não compraram esse governo, são apenas alguns players que estão satisfeitos com a dinâmica atual dos ativos - quiçá, até a saída de dólares e os cortes na Selic atingirem níveis insustentáveis, destruindo a cadeia de suprimentos e contaminando a economia real.
Agenda doméstica em destaque
O calendário econômico doméstico está repleto de divulgações relevantes hoje. O destaque fica com a prévia deste mês da inflação oficial ao consumidor brasileiro (IPCA-15), que deve continuar girando ao redor da estabilidade (+0,03%) pelo segundo mês seguido. Com isso, a taxa acumulada em 12 meses deve ficar abaixo de 3%, mas ainda dentro do intervalo de tolerância perseguido pelo Banco Central.
Os números efetivos serão divulgados às 9h e devem calibrar as expectativas sobre o rumo da taxa básica de juros (Selic) no mês que vem. Antes, às 8h, saem novas sondagens da FGV, desta vez, sobre a confiança nos setores de serviços e da construção civil em abril, que, tal qual o comércio e o consumidor, deve registrar queda mensal recorde e alcançar mínimas históricas, em meio aos reflexos da pandemia de coronavírus na atividade local.
Ainda na agenda doméstica, o BC publica a nota sobre as operações de crédito em março (15h30). Já no exterior, destaque apenas para o calendário nos EUA, que traz números do setor imobiliário em fevereiro e a leitura final de abril da confiança do consumidor norte-americano. Além disso, o Federal Reserve inicia sua reunião de política monetária de dois dias.