Estamos em um momento conturbado. As economias e as bolsas mundiais estão ensaiando uma recessão. O engraçado é que, dois meses atrás, o sentimento era completamente outro, o que mostra o quão imprevisível é o futuro. Pensando no ambiente que vivenciamos hoje, acho interessante dissertar sobre os sentimentos comuns que permeiam um mercado com tendência de alta (bull market).
Agora, o mercado está repleto de profetas do apocalipse, que lhe avisaram para tomar cuidado e se gabam por estar corretos. Eu, particularmente, não tento prever esses movimentos de macroeconomia, está fora do meu círculo de competência (e de 99% das pessoas, mesmo que a maioria afirme que não). Mais perigoso do que não saber algo é achar que domina um tema que, na verdade, pouco conhece.
No entanto, uma das poucas coisas que sei é que mercados de alta e baixa são passageiros. Para me proteger, utilizo uma simples estratégia: compro boas empresas por bons preços e seguro-as para o longo prazo.
Para ajudar na reflexão de hoje, utilizarei o livro “Active Value Investing”, de Vitaliy Katsenelson.
Mercados em alta possuem o poder de intensificar as emoções dos investidores. Os retornos crescentes geram otimismo, euforia e autoconfiança. Algumas ações chegam a patamares injustificáveis e desafiam a lógica.
Quanto mais persistente e duradoura a subida, mais certo e confiantes os investidores se sentem, o que aumenta a ganância e alimenta as expectativas de retornos fáceis, rápidos e cada vez mais altos.
No começo do ciclo de alta, onde ainda há muitas incertezas e medo devido ao momento de baixa antecedente, investidores são respeitosos com seu dinheiro e fazem jus à teoria de somente investir a quantidade de capital compatível com o seu perfil de risco e que não seja necessária para o curto prazo.
No entanto, à medida que o ciclo se intensifica e aproxima do final, o que antes era um jogo estratégico de longa duração, voltado para a aposentadoria, se torna um cassino, em que você somente quer girar a roleta pensando no que poderá comprar amanhã com o dinheiro que ganhar hoje.
Embora o perfil de risco do investidor (o nível de incertezas com que consegue lidar) raramente mude, sua percepção de risco muda à medida que os retornos de seus investimentos aumentam. As preocupações se foram há tanto tempo que ele não se lembra mais que ainda existem e como era sentir medo em um mercado com tendência de baixa (bear market).
Já passados muitos anos dos momentos de perdas, os investimentos em renda variável começam a ser vistos como sem riscos. Investidores ignoram a necessidade de fazer caixa e a típica mentalidade “desta vez, é diferente” reina nos mercados.
As métricas de valuation são ignoradas e contestadas. As novas empresas que chegam ao mercado estão na boca de todos os investidores e são muito inovadoras. Portanto, não podem ser avaliadas pelo dogma padrão da teoria de avaliação de ativos, que peca em precificar o verdadeiro valor das empresas do futuro.
O fluxo de caixa livre e medidas de rentabilidade são substituídas por métricas de crescimento que não medem lucro, apenas potencial de crescimento.
Obviamente, um clima como este só poderia presentear os investidores com um portfólio de ações supervalorizadas, negociadas a valuations astronômicos, impossíveis de serem justificados.
Nesse momento, a crença de que é extremamente possível obter retornos de dois dígitos por ano toma conta dos investidores. Estes começam a fazer contas do quanto terão daqui a 20 anos se continuarem investindo X% de seus salários a uma taxa de retorno de 15%, 16%, 17% - taxas que poucos e apenas os melhores investidores conseguem sustentar no longo prazo, e somente com muito estudo, trabalho e uma mentalidade impecável.
Surgem os milionários que ganharam muito dinheiro com a bolsa e centenas de especialistas. Seus amigos começam a lhe indicar as ações que você deve, obrigatoriamente, possuir. Todos se dizem ser investidores de longo prazo, “buy and holders”, “value investors”, porque isso soa chique e inteligente.
As pessoas reproduzem o discurso: “Eu sou um investidor de longo prazo. Compro as ações do meu portfólio todo o mês. Se elas caem, eu fico feliz, pois estou comprando ativos na promoção”.
Essa, de fato, é a estratégia correta. Mas nada adianta se você apenas reproduz o discurso ou a aplica nos ativos errados. Investidores perguntam a opinião dos que não possuem as ações do momento mesmo que não queiram realmente escutá-la, pois já se comprometeram com essa estratégia de investimento e não vão aceitar ouvir que suas projeções de crescimento estão erradas.
As pessoas se negam a pôr em prática a diversificação pois acreditam que conseguem lidar com um portfólio concentrado de ações. A palavra “retorno” está na boca de todos os investidores, mas você não vê ninguém falando em “risco”.
Como não poderia ser diferente, chega a frustração. A correção vem e vemos quem estava todo esse tempo nadando pelado. Estes correm para se esconder, se abrigam em suas casas e juram nunca mais voltar para “esse negócio de bolsa”, afinal, “é muito arriscado.”
O preço dos ativos derrete e os investidores sensatos tomam conta deles em uma verdadeira promoção, e não nessa “black fraude” em que muitos acreditaram estar comprando ações com desconto pois caíram 4% em um dia (mesmo após ter subido outros 100% nos últimos seis meses).
Como é de se esperar, as boas empresas se recuperam e continuam prosperando, entregando altos retornos aos seus acionistas.
O tempo passa e os retornos começam a acordar uma nova leva de especuladores. O ciclo se reinicia.