O “desbotamento” do título refere-se às nossas memórias. Trata-se de um fenômeno psicológico que ocorre com a maioria das pessoas. Tendemos a esquecer com maior facilidade de eventos que geraram emoções negativas, enquanto nutrimos aquelas lembranças associadas às emoções positivas. Isto leva em inglês o acrônimo FAB, de Fading Affect Bias.
Quem tentou explicar este viés foi Freud, o pai da psicanálise, quando teorizou sobre o fenômeno da repressão. As emoções associadas às memórias autobiográficas negativas desaparecem mais rapidamente do que as emoções associadas às memórias autobiográficas positivas. Isto estaria intimamente ligado a um processo cognitivo e social que apoia uma visão positiva do "eu", ao invés de uma negativa.
O viés tem um efeito importante na autoestima e no autoconhecimento de cada pessoa. Por conta dele, nós podemos efetivamente viver vidas mais felizes, sem carregar todo o peso de acontecimentos ruins do passado. Já eventos particularmente traumáticos são tão reprimidos que sequer conseguirão ser lembrados sem uma intervenção psicológica séria.
Pesquisas mostram que esse viés é prevalente entre indivíduos mentalmente saudáveis. Por outro lado, pessoas que sofrem de depressão, mesmo que leve, podem manter maior lembrança de suas emoções negativas em comparação com as demais, prejudicando a percepção positiva do eu.
Existe um motivo prático para o viés. De modo geral eventos agradáveis superam eventos desagradáveis simplesmente porque é isso que as pessoas procuram na vida moderna. Ao procurarmos experiências positivas, seria natural evitar e renunciar a experiências negativas. Mas, além disso, nosso cérebro dá tratamentos diferentes às experiências positivas e negativas. Há um processo biológico, cognitivo e social de minimização, que geralmente é mais forte para eventos negativos.
Entretanto algumas pessoas têm esse processo invertido, como o aluno que se convence — ou é convencido — de que boas notas não querem dizer que ele seja inteligente, ao passo que as notas baixas provam que ele é um fracasso.
E no mundo dos negócios, qual a encrenca que o viés pode trazer? Bem, decisões ruins do passado (aquelas que levaram a problemas ou resultados negativos) costumam ser esquecidas até com certa facilidade. Isto deixa o campo livre para os executivos cometerem erros similares inúmeras vezes. Lembro do depoimento aborrecido de um aluno meu: "Fui particularmente exposto a esse viés, pois, a cada seis meses, meus antigos gerentes tinham que tomar decisões sobre questões de produção para o próximo semestre. A cada novo período de decisão os gerentes geralmente se apaixonavam pelas mesmas soluções: que pareciam melhores, que agora iriam funcionar, mas que acabavam causando prejuízos para a empresa. Era claro que, devido à distância no tempo da experiência anterior, não era possível adquirir e reter o conhecimento para colocar em prática outras decisões”.
Outro aluno lembrou a utilidade desta característica cognitiva sob uma ótica evolutiva, fazendo com que as pessoas tivessem mais filhos (mesmo após períodos exaustivos na criação de cada um), ou se engajassem em empreendimentos muito trabalhosos, como grandes construções. O trabalho incorrido era desbotado na lembrança, em comparação com o benefício posterior. O problema é quando esta característica acaba reduzindo a qualidade do feedback que as experiências nos proporcionam, o que acontece na vida profissional com certa frequência.
E nos investimentos? O mesmo fenômeno também pode ser verificado, com dois efeitos principais. Especuladores, ao perder dinheiro em apostas de mercado infelizes, tendem a esquecer a dor de perdas passadas, que os manteria distantes de novas apostas pouco recomendáveis. Quando o cérebro lembra dos fracassos, tende a ser rapidamente distraído por lembranças agradáveis, de ocasionais apostas vencedoras. Aí voltam para a mesa do “jogo” em busca da próxima grande tacada. E, ao repetirem um grande prejuízo, pensam: “não acredito que caí nessa de novo!”. Mas, logo em seguida, minimizam a dor e lembram: “Também, quando eu acerto, é para valer!” (não, não costuma ser... quer apostar?).
Por outro lado, um grande perigo para a maioria dos investidores de longo prazo é minimizar a lembrança das dores dos mercados em baixa do passado. Quando estão ocorrendo, as baixas de mercado podem ser assustadoras. Geralmente são associadas a eventos econômicos ou geopolíticos, que parecem levar as ações para uma queda livre. A Rússia iria realmente invadir a Ucrânia? Teria acabado de vez o crescimento econômico da China? A pandemia é o fim do mundo como o conhecemos? Essas histórias e os dias de baixa que as acompanharam nos mercados podem aumentar nossa pressão arterial e nos fazer suar frio. A incerteza nos tira o limite de quão ruim as coisas podem ficar. Já quando tudo passa, rimos dos que se preocuparam em demasia. Não foi nada, dizemos. Parece tão óbvio, em retrospectiva, que se tornaria apenas uma queda temporária em nossos portfólios de investimentos.
Mas, não é assim que tratamos a próxima queda. A próxima parece real. Esses eventos do passado, com certeza, não eram grande coisa. Mas e as notícias de amanhã? Elas são diferentes. “As notícias de amanhã são verdadeiramente assustadoras. Agora o mundo e o Brasil azedaram de vez. Melhor sacar aquele fundo de renda variável hoje antes das perdas aumentarem ainda mais! Melhor vender as ações que pensei em manter nos próximos dez anos”.
Quando você começar a se sentir assim, antes de sair alterando suas estratégias de investimento para fugir do risco, faça um exercício. Tente se lembrar do medo que você sentiu do comportamento do mercado em crises passadas. Obrigue-se a reviver a ansiedade e a preocupação de estar alguns pontos percentuais abaixo do esperado e se perguntando se terminaria o ano com muito menos dinheiro do que começou. Lembre-se de como era se preocupar com a possibilidade de uma guerra estourar ou com a disseminação de doenças ou com o colapso econômico prestes a chegar. Porque tudo isto vai acontecer novamente, e mais cedo do que você pensa. Acontece todos os anos. Você não pode escolher viver um momento na história em que algo assustador não esteja prestes a acontecer. Você precisa reviver mentalmente o momento passado e, em seguida, reconhecer que, embora tenha sido realmente assustador, a vida seguiu em frente e os mercados se recuperaram e o mundo, de fato, não chegou ao fim. Para que, da próxima vez que o medo vier, você pense "ok, já passei por isso, daqui a pouco os mercados se recuperam".
Morgan Housel, que foi colunista do The Wall Street Journal, certa vez comentou que o mais engraçado sobre os mercados era que todas as crises anteriores sempre eram vistas depois como momentos de grande oportunidade; já as crises atuais e futuras eram encaradas como grandes riscos. O Efeito de Desbotamento leva nosso cérebro a tratar crises parecidas de maneira desigual, se passou algum tempo entre elas. Mas, você pode se convencer que o medo desta vez só parece diferente, não é realmente diferente do que foi na última crise. E olhar com mais carinho e consistência para sua estratégia de longo prazo. Será que realmente eu preciso mudar tudo agora? Geralmente a resposta será não.
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* Luís Antônio Dib é professor do quadro permanente do COPPEAD, consultor e palestrante.
Ele é mestre e doutor em Administração, além de possuir certificações da Harvard Business School. Dib já criou e coordenou diversos cursos de pós-graduação e ministra disciplinas nas áreas de Julgamento e Tomada de Decisão, Estratégia, Negociação e Internacionalização. Sua experiência profissional inclui cargos executivos na Shell (NYSE:RDSa), Telefônica (SA:VIVT3) e TIM (SA:TIMS3), além de vários anos como consultor de alta gestão pela Booz-Allen.
Dib discute conceitos complexos do mundo dos negócios e o impacto estratégico de novas tecnologias de forma clara, direta e bem-humorada, sendo um dos mais importantes interlocutores brasileiros para questões ligadas à gestão de empresas.