Ao longo de 2015, eu e meu colega, Prof. Ricardo Pereira Câmara Leal, também do Coppead/UFRJ, desenvolvemos dois índices de ações/units para o mercado brasileiro. Lideramos um projeto de pesquisa que teve o apoio fundamental dos alunos da área de Finanças do mestrado do Coppead à época. Os índices eram, e ao melhor do meu conhecimento ainda são, os únicos índices de ações brasileiras desenvolvidos e calculados de maneira completamente independente da bolsa brasileira – B3 (SA:B3SA3).
Recebemos o importante apoio do jornal Valor Econômico e, em consequência, as estratégias concebidas foram batizadas de índices Valor-Coppead. Eles são calculados e divulgados diariamente pelo sistema Valor PRO, sob os códigos BrIAIP20_COPPEAD e BrIAMV_COPPEAD, e têm suas rentabilidades recentes divulgadas aqui. Esses índices preenchem lacunas importantes do mercado brasileiro de ações e ainda hoje não possuem paralelos.
O índice BrIAIP20 (Brasil Índice de Ações Igualmente Ponderado com 20 ativos), é o resultado de uma carteira igualmente ponderada a cada quadrimestre e dispõe sempre de 20 ações, escolhidas com o propósito de gerar rentabilidade superior ao Ibovespa com nível de risco semelhante. Já comentei aqui que o Ibovespa é um índice altamente concentrado, em que pese ter dado origem aos ETFs mais líquidos do mercado brasileiro. O BrIAIP20 se destaca por sua simplicidade e por permitir ao pequeno investidor buscar rentabilidade superior aos ETFs de Ibovespa.
Por sua vez, o índice BrIAMV (Brasil Índice de Ações de Mínima Variância) reflete uma carteira calculada com o objetivo de representar um portfólio com volatilidade mínima, ou seja, com o menor nível de risco possível numa carteira com ações e units. A estratégia se destina àqueles investidores que buscam diversificação e potencial retorno correlacionado ao mercado de ações, mas que possuem grande aversão a risco. Num momento em que a Selic se encontra em patamares extremamente baixos, tenho percebido, com frequência, que muitos investidores conservadores têm percebido que precisam correr algum risco para rentabilizar suas carteiras satisfatoriamente, porém não se sentem nada confortáveis om o nível de risco do Ibovespa, ou seja, do mercado de ações como um todo. O índice mostra que é possível se expor ao mercado de ações em um nível de risco inferior ao Ibovespa. Mas lembremos que o menor risco reduz a rentabilidade esperada: não existe almoço grátis.
Nenhum dos dois índices possui posições a descoberto (ou seja, vendidas) e ambos são construídos para terem um número de ações mais acessível do que qualquer dos índices de mercado amplo disponíveis na B3 – tal ponto facilita a utilização dos índices por investidores pequenos ao reduzir o custo de transação, que aliás se dá a cada quadrimestre apenas (seguindo a lógica de rebalanceamento dos índices da B3).
Nos quadros a seguir, apresento as performances dos índices Valor-Coppead, bem como dos principais índices representativos do mercado de ações e units da B3 e da ação preferencial da Petrobras (SA:PETR4), para efeito comparativo. A análise utilizou dados diários desde janeiro de 2017 até 30 de junho de 2020, mas também destaco as performances apenas em 2020 com a atual crise. É importante ressaltar que as rentabilidades abaixo subvalorizam os índices Valor-Coppead pois não consideram a rentabilidade adicional que poderia advir do aluguel de seus constituintes, tendo em vista que se trata de uma estratégia buy-and-hold a cada quatro meses (por exemplo, ETFs de Ibovespa alugam as ações compradas para aumento da rentabilidade).
É interessante notar como os índices Valor-Coppead performaram de acordo com os seus respectivos objetivos. A rentabilidade do índice BrIAIP20 superou os ganhos de todos os outros índices desde 2017, com volatilidade bastante semelhante aos seus pares. Em 2020, tal índice mantém performance destacada, apresentando uma queda menor do que os seus similares da bolsa e mantendo mesmo nível de volatilidade. Note como as volatilidades aumentam com o menor número de ações constituintes dos índices da B3: o IBrX50 apresenta a maior volatilidade numa ponta, enquanto o IBrA, na outra, a menor.
Mesmo tendo apenas 20 constituintes, o BrIAIP20 mantém volatilidade muito próxima do Ibovespa, demonstrando que a engenharia de formação de carteiras tem seu valor. Compare também o nível de volatilidade dos índices com a volatilidade da Petr4: palmas para Markowitz e seu princípio da diversificação, conceitos desenvolvidos há 70 anos atrás. E, claro, o Covid-19 aumentou, e muito, a instabilidade do mercado em 2020!
Por sua vez, o BrIAMV historicamente rende abaixo dos índices da B3 e isso se explica, por construção, pela teoria de Markowitz. Ele busca representar a carteira de ações com menor volatilidade possível, mas isto vem acompanhado por uma rentabilidade média menor. Veja na figura a seguir, que explica melhor as relações risco-retorno que desenvolvemos:
Note que realmente espera-se que o BrIAMV tenha retornos, em média, abaixo dos índices da B3. Entretanto, perceba que em um mercado de baixa, como em 2020, este índice tende a defender mais o seu valor, o que de fato está acontecendo (mesmo depois de três meses seguidos de forte alta do Ibovespa). Tudo alinhado com a teoria que deu origem ao índice.
Para muitos investidores, tal retorno médio histórico pode desapontar, e isso é normal: depende do seu nível de aversão a risco. O BrIAMV tem um público formado por aqueles investidores extremamente avessos ao risco e que procuram uma carteira de ações com o intuito de diversificação e menor nível possível de oscilação. Este público é seleto e grande parte ainda não está na bolsa brasileira, talvez até pela falta de oferta de produtos voltados a eles. Mas eles estão entrando: com o CDI rendendo menos de 2% ao ano (pós IR), há forte pressão para este público entrar na B3. O desenvolvimento do mercado brasileiro de ações passa obrigatoriamente por produtos mais diversificados e a baixo custo, precisando ser, portanto, democratizado.
Na minha página, os leitores interessados encontrarão o manual dos índices, que explica todos os detalhes para aqueles que desejarem replicar uma das ideias que os embasam. No link acima, disponibilizo também o artigo científico publicado na Revista Brasileira de Finanças, o qual sustenta academicamente a construção dos índices. Boa leitura aos interessados!
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, professor do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência privada e pública e finanças pessoais e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.