Este espaço é comumente destinado à discussão de assuntos correntes da economia global e local, colocando ênfase sempre naquilo que julgamos mais urgente para a definição de movimentos de curto prazo nos mercados. Porém, pode ser relevante fazer uma análise sob a ótica da teoria econômica para explicar a atualidade e entender como será o desenvolvimento do que observamos nos próximos trimestres.
Na semana que antecede as decisões dos comitês de política monetária do Banco Central dos EUA (FOMC) e do Banco Central do Brasil, convém analisar as surpresas inflacionárias sob esta ótica teórica e entender o que esperamos para os agregados macroeconômicos principais (atividade, inflação e juros) à frente.
Incialmente, vale lembrar que nosso raciocínio é baseado em modelos dinâmicos estocásticos de equilíbrio geral, e isso também é referendado pelo que há de mais contemporâneo em termos de macroeconomia. Nesses modelos, agentes (famílias, empresas, governo etc.) tomam decisões racionais que buscam maximizar objetivos concretos e sujeitos a incentivos e limitações também bem estabelecidas. Por conta da existência de rigidez de preço, a política monetária pode ter impacto no curto prazo.
O que estamos observando atualmente é uma situação de severos choques sendo impostos à economia global. Olhando para os últimos cinco anos, podemos citar na economia global o Brexit, a batalha comercial entre China e EUA, a covid-19 e problemas na cadeia produtiva.
Os efeitos desses choques são de difícil mensuração em tempo real, mas eles, evidentemente, contribuíram para tornar o ambiente macroeconômico de mais difícil compreensão. Consequentemente, os modelos que utilizamos em nossas estimativas dependem de algumas variáveis que são estimadas e não observadas (isso é, variáveis que são relevantes para a economia, mas que podemos somente inferir e não coletar diretamente).
Um exemplo claro disso é a taxa neutra de juros. Essa é uma variável extremamente relevante, pois guia o Banco Central a entender a partir de qual patamar sua política monetária encontra-se expansionista ou contracionista. Ou seja, dá ao Banco Central a diretriz se ele está contribuindo para maior pressão inflacionária ou não. Os choques recentes da economia enumerados acima, provavelmente, elevam a taxa neutra de juros, mas não temos como provar isso inequivocamente em pouco tempo. Por enquanto, essa é uma suposição razoável fruto de fatores que determinam o patamar de juro neutro.
Assim, entender a postura de política monetária de um Banco Central também fica mais complicado. É justamente por isso que argumentamos que as surpresas inflacionárias nos EUA e no Brasil indicam que o caminho para uma redução consistente da inflação é longo. O que estamos vendo é que, possivelmente, os juros nominais de curto prazo (a Selic ou a Fed Fund Rate, respectivamente) não representam o mesmo grau de aperto que representavam há cinco anos. Ou seja, pode ser que estejam contribuindo menos com redução da inflação do que o que suporíamos há pouco tempo. Discutiremos as consequências disso em nosso artigo da próxima semana.