Nos últimos anos, temos observado diferenciais de base alongados para o boi gordo em regiões como Mato Grosso, Tocantins, Pará e Rondônia. Variações de diferencial de base afetam a efetividade do hedge e essa possibilidade tem que ser considerada no planejamento. É o chamado risco de base.
Um alongamento de diferencial não será coberto pela posição vendida ou pelo resultado de uma put. O resultado financeiro do hedge protegerá contra a oscilação na base, em São Paulo, no caso do boi. Se na região onde ocorre a venda física o mercado cair mais, a diferença será uma queda na receita, frente ao projetado (travado).
O oposto também ocorre, algumas vezes, a queda em determinada região é menor que a observada em São Paulo, o que beneficia a trava, que terá um ganho além da desvalorização das arrobas no pasto.
Em 2021, com a suspensão das vendas à China, pelo peso das exportações de carne no estado, as cotações do boi gordo caíram mais em São Paulo que em outras regiões. Praças como Cuiabá-MT tiveram diferenciais praticamente zerados.
Como qualquer mercado, a oferta e a demanda definem os preços nas regiões. Quando a diferença entre as cotações está maior, a tendência é que frigoríficos busquem mais gado, onde está mais barato, dentro das possibilidades de logística. Há casos em que há a compra das carcaças de regiões mais atrativas, para desossa, ou mesmo o direcionamento de um abate maior para tais áreas, quando trata-se dos grupos presentes em diversas regiões.
Em resumo, quando a disponibilidade de gado está maior em uma região, a tendência é que haja aumento da busca (arbitragem) desse boi/carcaça/carne mais atrativo até que haja uma convergência de preços, que é quando o cenário volta a ficar relativamente equilibrado, sempre considerando frete, destino da produção e impostos.
Nesses dois últimos anos, no entanto, os incrementos de oferta foram expressivos e isso foi sentido no diferencial de base, que tem trabalhado alongado. Lembrando que saímos de uma aproximação de diferenciais com o ocorrido na segunda metade de 2021 para um momento de mais oferta de gado em 2022, o que resultou no alongamento do diferencial em diversas regiões.
Quando falamos de ciclo pecuário e da fase de baixa, na qual estamos desde 2022, temos de uma oferta maior de fêmeas para abate, como resultado da diminuição de rentabilidade da cria, pelos preços do bezerro em queda.
Como as fêmeas são o “problema” dos preços, temos impacto maior em regiões com mais cria (ou ciclo completo), o que está relacionado a áreas de terras menos valorizadas, em um contexto nacional. Normalmente a cria é feita em regiões onde a agricultura ainda está menos presente, é recente ou não pode ser feita, por questões geográficas, como no Pantanal, por exemplo.
Então, nas fases de menor atratividade da cria, aumenta o abate de fêmeas, que é mais sentido em regiões com mais cria. Consequentemente, a tendência é de alongamento de diferenciais nas fases de baixa do ciclo, já que a base (SP) não é um estado com relevância na cria.
Considerando os abates de fêmeas até setembro, segundo o IBGE, em nível nacional, a participação de fêmeas foi de 42,4%, acréscimo de 4,4 pontos percentuais frente ao mesmo intervalo do ano anterior. Analisando alguns estados, temos o mapa da figura 1, que mostra a variação (em p.p.) da participação de fêmeas nos abates entre 2022 e 2023, de janeiro a setembro.
Figura 1.
Variação (em p.p.) da participação de fêmeas nos abates de bovinos entre 2022 e 2023, de janeiro a setembro.
Fonte: IBGE / HN AGRO
Perceba que os estados mais ao norte tiveram aumento relevante da participação de fêmeas nos abates em 2023, consequentemente, a oferta de gado aumentou.
A figura 2 mostra a variação dos abates totais de bovinos até setembro, entre 2022 e 2023. O abate nacional aumentou 10,9% no intervalo. Rondônia e Mato Grosso, por exemplo, tiveram incrementos de 41,8% e 23,4%, respectivamente.
Figura 2.
Variação dos abates de bovinos entre 2022 e 2023, de janeiro a setembro.
Fonte: IBGE / HN AGRO
Em Mato Grosso do Sul tem sido observada uma tendência pronunciada de perda de áreas para silvicultura e agricultura nos últimos anos. Isso ajuda a explicar o cenário de redução dos abates no estado.
Como São Paulo tem mais plantas habilitadas à China e Mato Grosso do Sul é fornecedor para plantas paulistas, uma parcela dessa redução em Mato Grosso do Sul pode estar relacionada ao envio de gado para São Paulo, incluindo novilhas. Isso também ajudaria a explicar uma quase estabilidade na participação de fêmeas no estado.
Considerações
Para 2024 esperamos uma ligeira redução da oferta de bezerros desmamados. Se isso refletir em valorizações para a categoria, pode ser o início da redução da oferta de fêmeas, com retenção e investimento na cria.
A oferta de fêmeas tem mais peso nos estados mais ao norte, que têm trabalhado com um diferencial mais alongado. Com isso, esperamos uma aproximação do diferencial nos próximos anos, em decorrência da retenção de fêmeas.
Para 2024, acreditamos na possibilidade de diminuição da oferta de fêmeas, mas um movimento mais forte de enxugamento do descarte e, provavelmente, aproximação do diferencial de base, é esperado para 2025.