Com as criptomoedas mergulhadas em um “bear market” durante boa parte de 2018, os investidores das moedas alternativas esperavam desesperadamente que a Securities and Exchange Commission (SEC), dos EUA, pudesse encontrar um caminho para aprovar um ETF de Bitcoin em breve. Obviamente, a esperança era que essa iniciativa pudesse injetar alguma vida – bem como maior legitimidade – à classe de ativos digitais.
A agência reguladora dos EUA frustrou as esperanças dos investidores no final de agosto, quando rejeitou nove propostas de ETFs de Bitcoin, incluindo solicitações feitas por ProShares, Direxion e os resignados gêmeos Winklevoss, Cameron e Tyler, que já receberam diversas negativas. Há menos de um mês, a SEC reafirmou que uma aprovação de um ETF de Bitcoin no curto prazo continua sendo ilusória, quando seu presidente, Jay Clayton, confirmou que, devido à falta de supervisão adequada do criptomercado, tal aprovação era improvável em um curto espaço de tempo.
De fato, ao longo de 2018, a SEC parece ter intensificado seu escrutínio da classe de ativos digitais. Embora, de tempos em tempos, surjam algumas notícias positivas, como o anúncio feito pelo Estado de Ohio, afirmando que, no final de novembro, as empresas poderiam pagar seus impostos em Bitcoin, a maioria das notícias não tem sido nada favorável para a criptoesfera. As ofensivas contra fraudes em ofertas iniciais de moedas (ICOs, em inglês) aumentaram, e celebridades promotoras dos criptoativos foram penalizadas por não revelar que estavam sendo pagas, entre elas, o boxeador profissional Floyd Mayweather Jr. e o produtor musical DJ Khaled.
Regulação prematura, consequências negativas
Será que as autoridades reguladoras internacionais seguirão o mesmo exemplo dos órgãos reguladores norte-americanos ao reprimir de forma mais veemente o uso ilícito dessa nascente tecnologia?
Quoc Le, fundador e diretor executivo da Quanta, que constrói infraestrutura cross-chain para corretoras descentralizadas, observa que, como os EUA são a maior economia do mundo, à medida que a adoção dos criptoativos avança, mesmo que apenas no nível estatal, a SEC será capaz de coletar pontos de dados para criar normas mais balanceadas e progressivas para as criptomoedas no país. Isso, por sua vez, será levado em conta pelos órgãos reguladores ao redor do mundo e pela economia global.
Mas ele ressalta que o caminho para a regulação das criptomoedas nos EUA deve ser percorrido com atenção e cautela, justamente porque isso poderia ter ramificações tanto nos mercados locais quanto internacionais. Ele acredita que, se a SEC criar normas específicas para as criptomoedas de forma prematura, sem compreender totalmente os detalhes envolvidos, as consequências poderiam ser duradouras. Normas muitos rígidas poderiam engessar o crescimento, enquanto controles muito flexíveis poderiam trazer confusão, não apenas para os investidores norte-americanos, mas também para os outros países que prestam atenção nas iniciativas da SEC.
“Por enquanto, a SEC está aplicando regras de segurança tradicionais ao criptomercado e, ao que parece, o ajuste não tem sido muito bom. Estou feliz por ver alguma inovação regulatória no âmbito estatal. Locais como Ohio permaneceram estagnados por muito tempo, e o blockchain representa uma forma bastante sensata de acelerar a economia local com uma nova vantagem competitiva:uma regulação mais progressiva das criptomoedas.”
Alex Mashinksy, CEO da Celsius, uma rede de pagamentos via blockchain, afirma:
“Acreditamos que a SEC continuará esclarecendo quais são as condutas aceitáveis e inaceitáveis no âmbito das moedas digitais. Embora muitas solicitações de ETFs tenham sido rejeitadas, a SEC deixou claro o que deseja ver nesses produtos para dar mais proteção aos investidores.”
À medida que a indústria amadurece, complementa Mashinksy, surgirão normas apropriadas e agentes de custódia regulados para ajudar a construir produtos adequados, protegendo, ao mesmo tempo, os ativos dos investidores. Nesse momento, a SEC provavelmente flexibilizará suas rigorosas exigências.
Mas isso também exigirá que os órgãos reguladores compreendam com mais clareza o que são as moedas alternativas, bem como seu papel nos mercados financeiros. Mashinksy cita o recente caso do ICO da Blockvest como exemplo de como o cenário regulatório nos EUA continua confuso.
SEC bloqueia ICO, tribunal revoga decisão
Em outubro passado, a SEC abriu uma ação contra a Blockvest LLC, impedindo a oferta da sua moeda BLV, sob a alegação de que a empresa havia violado a Lei de Valores Mobiliários. Entretanto, no final de novembro, um juiz de uma corte distrital dos EUA recusou a ação após a Blockvest recorrer, afirmando que a comissão não comprovou que o token havia violado as diretrizes legais.
Isso não quer dizer que não havia problemas com a oferta do BLV e com sua empresa controladora. Realmente havia. Mas, segundo Mashinksy, a corte revogou a medida porque não havia clareza nem nas regras, nem no papel da SEC em sua supervisão:
“Se você observar a recente decisão envolvendo a Blockvest, verá que as cortes americanas lembraram a SEC de que sua função é aplicar as leis, e não interpretá-las, quando o tribunal questionou a determinação da comissão de que o Blockvest era um valor mobiliário.Tradicionalmente, a SEC não opina sobre a qualidade ou validade dos valores mobiliários e ETFs, já que seu papel, em grande parte, é garantir que as melhores práticas sejam seguidas quando tais produtos são apresentados aos investidores.”
Mashinksy acredita que diversos outros casos seriam decididos, em última instância, pelas cortes. Ele ressalta que será necessária uma nova legislação para esclarecer como as agências devem lidar com ICOs e STOs (ofertas de tokens de segurança). Além disso, ele afirma que é possível que sejam criadas diretrizes para esclarecer quais produtos derivativos, como ETFs e ETNs, podem ser oficialmente emitidos. Entretanto, Mashinksy comenta: “Considerando a volatilidade recente dos preços, acredito que a SEC pode defender sua posição de tentar proteger investidores menos sofisticados, evitando que saltem nas incertezas do mundo das criptomoedas”.