Desde o início do Bitcoin, havia a ideia de utilizá-lo como plataforma descentralizada e anti-censura para tokens únicos. Hal Finey, que já estudava há décadas métodos criptográficos capazes de facilitar a venda de ativos digitais, chamado de Crypto Trading Cards, chegou a afirmar que esta poderia ser uma das melhores formas de impulsionar a popularização da rede.
Já em 2012, vimos o surgimento das Colored Coins, respaldadas por Vitalik Buterin, que consistiam em transações de Bitcoin que foram personalizadas com a adição de metadados, permitindo a diferenciação de uma moeda das demais. A ideia era que esses metadados permitissem que as moedas representassem um ativo do mundo real, como ações, propriedades de bens, commodities, títulos, contratos, etc.
Em termos simples, seria como escrever em uma nota de 1 real que ela representa a propriedade de um imóvel, o que a tornaria única. Se esse conceito parece familiar para você, é porque as colored coins são tidas como as precursoras dos NFTs. Aliás, diga-se de passagem, sabemos que o decorrer da história consistiu no fato de Vitalik resolver largar o Bitcoin e criar seu próprio sistema, a Ethereum.
Já no início deste ano, vimos um novo protocolo tendo um “boom” de usabilidade: o Ordinals, fundado por Casey Rodarmor. Basicamente, a ideia é inscrever mídias digitais dentro do espaço de bloco do Bitcoin, tudo feito de maneira on-chain e sem depender de soluções externas. Mas, para que isso ocorra, é preciso uma conjunção de dois fatores:
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Ordinais: sabemos que as menores frações de um BTC são chamadas de “satoshis”. A nível de protocolo Bitcoin, esses satoshis são totalmente fungíveis, não havendo a menor diferença entre um e outro. No entanto, a ideia do protocolo Ordinals é atribuir um número ordinal a cada um dos satoshis para que eles sejam individualmente contabilizados e rastreados, e isso é feito de forma não-tecnológica, e sim social, por meio de um acordo de senso comum, digamos assim.
A partir do momento em que eles ganham números únicos, passam a possuir maior ou menor grau de raridade, com uns valendo mais do que outros.
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Inscrições: Já as inscrições dizem respeito à possibilidade de inscrever dados, como imagens, vídeos, jogos, áudios e textos, nas transações dentro de blocos do Bitcoin. Uma vez inscrito esse dado, ele é anexado a um daqueles satoshis numerados unicamente, ganhando um caráter individual e infungível responsável por identifica-lo. Assim, de forma resumida, passa a ser possível vermos “NFTs” (ou “artefatos digitais”, como prefere chamar Casey Rodarmor) na própria rede Bitcoin!
Desde então, uma série de debates profundos passou a tomar conta das rodas crypto de discussão, passando por questionamentos filosóficos do “ethos” do Bitcoin até questões mais práticas sobre o congestionamento da rede e o aumento das taxas ocasionados pela alta demanda por espaço de bloco, criando maior competitividade para inclusão de transações. Fizemos um relatório no Hub do Investidor onde destrinchamos todos os aspectos e debates acerca do tema!
No dia 02 de fevereiro, por exemplo, tivemos um bloco inteiro sendo preenchido exclusivamente pela imagem de um meme chamado “Magic Internet Money Wizard” da coleção The Taproot Wizards, jogando milhares de transações para o bloco seguinte.
Vale ressaltar que apesar de sempre ter sido possível colocar dados arbitrários na rede Bitcoin, essa magnitude vista com os Ordinais só foi possível graças às atualizações Segwit e Taproot, que expandiram as limitações de bytes dos blocos e implementaram outras questões técnicas. Em suma, no fim de 2022, Casey teve a ideia de usar o campo “witness data” criado com a Segwit para armazenar esses dados arbitrários, possibilitando que mais dados pudessem ser incluídos.
Como resultado, na semana passada vimos um frenesi de inscrições que teve como resultado final um volume recorde de transações de ordinal incriptions:
No dia 8, foram gerados US$ 17.7 milhões em taxas totais de transação on-chain, maior valor já registrado desde dezembro de 2017. Além disso, este é o segundo maior valor de taxas de transações diárias em dólar da história. Surreal, né? Gostemos ou não, esse aumento de taxas gerado pela disputa de espaço de bloco pode ser a saída de longo prazo para a sustentabilidade do Bitcoin que, a partir de 2140, verá seus mineradores sendo remunerados apenas por meio delas (taxas).