A Opep fará o que tem que fazer. E, além de cortar a produção, não há mais nada que o cartel possa fazer para impulsionar os preços do petróleo.
Mas a destruição da demanda petrolífera causada pelo coronavírus pode não ter uma solução tão fácil quanto um simples corte de produção nos moldes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
Isso não quer dizer que a redução de 600.000 barris por dia (bpd) – ou qualquer outro número que a Arábia Saudita e a Rússia venham a acordar em sua reunião de sexta-feira – não conseguirá colocar um piso na cotação do petróleo.
Por ser o país que mais tem a ganhar ou perder com qualquer decisão da Opep – em razão da enorme dimensão do seu estado de bem-estar social – a Arábia Saudita está preparada para fazer o que for necessário para interromper o atual ciclo de baixa do petróleo. E a Rússia, que representa o resto do mundo produtor da commodity, contenta-se em fazer o mínimo possível, ao mesmo tempo em que tira proveito da posição de solidariedade prestada ao reino.
Cortes podem não oferecer um piso tão firme para os preços
O problema com a quarta iteração do chamado pacto de produção Opep+ (o primeiro acordo foi em 2016 e o último em dezembro) é que o piso que ela pretende fornecer aos preços do petróleo desta vez pode não ser tão firme.
Isso porque a crise que os produtores de petróleo estão enfrentando por causa do coronavírus tem a ver com o colapso da demanda. A situação é bastante diferente das fortes quedas anteriores, que foram impulsionadas por excesso de produção, geralmente atribuída à explosão do fraturamento nos EUA e a oferta sem fim de óleo barato.
Em teoria, quando se extrai menos petróleo, o óleo em estoque ou em circulação é usado mais rápido, criando uma oferta mais restrita. Mas, se a demanda sofre um declínio mais rápido do que o corte realizado, o problema ainda continua existindo.
E se, para começar, já existe um grande excesso de oferta, o problema é ainda maior, pois os cortes realizados precisarão de tempo para que se equilibrem com a demanda perdida.
Pode ser que esse seja o caso com o coronavírus, que já varreu cerca de 30% da demanda chinesa de petróleo proveniente da Arábia Saudita. A Agência Internacional de Energia estima que a demanda de petróleo ao redor do mundo possa sofrer uma queda de 435.000 bpd no primeiro trimestre de 2020, em comparação com o ano passado, a primeira contração trimestral em mais de uma década.
Com mais de 3.100 pessoas mortas e outras 90.000 infectadas em todo o mundo, é impossível dimensionar os estragos que o vírus ainda pode causar à atividade diária, tal como a conhecemos. E como o petróleo é literalmente a commodity que move o planeta, as consequências desses estragos não podem ser subestimadas.
Após impulso inicial, pode estar se formando um novo fundo
Ao analisar os cortes propostos pelos sauditas, os delegados da Opep+, possivelmente com máscaras descartáveis, perceberão que os preços do petróleo podem cair ainda mais, mesmo com um racionamento maior da oferta. Após um impulso inicial, o mercado pode sofrer uma retração até níveis abaixo dos alcançados até agora em 2020, principalmente se o número de mortes e a taxa de infecção pelo vírus continuarem subindo.
O Goldman Sachs, de fato, prevê uma situação desse tipo.
“Apesar de esses declínios na produção mundial ajudarem a normalizar os estoques no fim deste ano, continuam bem abaixo da perda de demanda esperada”, declarou em nota o banco de Wall Street na terça-feira, que previu um excesso de oferta global de 1,65 milhão de bpd no primeiro semestre de 2020.
“Tal resultado seria consistente com todos os grandes choques de demanda anteriores, quando as restrições impostas pela Opep+ inicialmente ficaram aquém da perda de demanda efetiva”, declarou o Goldman. “Isso se deve ao alto nível de incerteza da contração de demanda".
Goldman corta ainda mais previsão para o Brent
Em razão da probabilidade de um impacto maior na demanda, o Goldman afirmou que estava revisando ainda mais para baixo sua previsão para o Brent, referência mundial do petróleo, que deve atingir US$ 45 por barril até abril, contra uma expectativa de US$ 53 há apenas duas semanas. No pregão do final da tarde desta quarta-feira na Ásia, o Brent estava cotado a US$ 51,84.
O Bank of America está mais otimista que o Goldman, prevendo uma média de US$ 54 para o Brent ao longo de 2020. Embora seja um número mais generoso, estabelece um piso para o mercado no melhor dos casos, sem garantir retornos maiores.
Scott Shelton, corretor de futuros de energia da ICAP em Durham, Carolina do Norte, escreveu em uma nota na terça-feira:
“É possível dizer que o mercado ainda está se preparando para o pior cenário. Eu sei que estamos!"
“O cenário mais amplo continua uma bagunça, embora eu espere que essa queda ofereça uma oportunidade para se posicionar na compra no 3o tri.”