O mercado financeiro “parece” acentuar o foco no ambiente interno, e, ao firmar esta postura torna evidente que há muitas incertezas nas perspectivas ainda muito inconsistentes, quer do ponto de vista econômico, quer do ponto de vista político, convivendo à margem com a ainda presente crise da pandemia do coronavírus.
O otimismo que tem sido construído, visto de forma racional e não emocional fomentado pelo anseio, se mostrando bastante antecipado no tempo e por isso vulnerável por ser extremamente carente de fundamentos consistentes, sugerindo que pode estar ocorrendo “o voo da galinha”, tanto na melhoria dos índices da produção industrial quanto do comércio varejista, que estão sendo ancorados efetivamente pelos fluxos de renda dos programas assistenciais do governo e no crédito, em especial dos cartões de crédito, ambos finitos no tempo e que podem interromper de forma abrupta o movimento “sugestivo de recuperação”.
A “injeção” de recursos generosa promovida pelo governo estimula o consumo no comércio varejista, que por sua vez impacta na demanda industrial, mas este movimento é meramente pontual, não tem nada a ver com recomposição sustentável de renda gerada a partir do emprego num ambiente de retomada real da atividade econômica.
Contrapartida direta deste movimento de geração de recursos por parte do governo é o exuberante crescimento da crise fiscal do país, que pode conduzi-lo a efetivo retrocesso na retomada concreta e fundamentada da atividade econômica, e conduzir o governo à incapacidade de manutenção dos programas assistenciais revertendo os dados que vêm sendo apontados pelo comércio varejista e pela indústria que decorrem deste fluxo de recursos não oriundos na atividade de trabalho na economia.
Então neste quadro desafiador, surge de parte do governo a percepção de que o conjunto de generosos programas promove grande apoio popular ao Presidente, que convivia com o desgaste e agora recupera “simpatias”, o que não se constitui prática nova, pois tem alinhamento de similaridade neste quesito com o governo do ex-Presidente Lula, e cria um grande impasse político, pois a tentação de manter o que agrada ao povo pelo populismo, que carreia simpatia ao governo, pode acentuar a crise fiscal e coloca em confronto posicionamentos políticos dentro e fora do governo.
O desencontro entre o necessário e o conveniente cria o cenário da incerteza e fragiliza as perspectivas para o país, o que não é muito propagado com ênfase, mas conduz tanto Bovespa quanto o dólar, a “patinar” dentro de parâmetros de “relativa estabilidade” e sem tração, mas com alta volatilidade sem romper as margens, dada a ausência de consolidação convicta de incertezas para pior ou para melhor, mas neste provoca um hiato e momento intranquilizador.
Enquanto isto, o setor de “serviços”, que representa 70% do PIB e grande gerador de empregos, de há muito se revela lento e sem tração e sinaliza de que o seu novo normal será muito diferente do prevalecente antes da crise, pois o legado da crise da pandemia tende a promover severa modificação estrutural deste setor, que continuará relevante na composição do PIB, mas não mais tão gerador de empregos quanto antes, dando espaço e ênfase a modernização dos sistemas informatizados.
Os movimentos recentes de desmonte da equipe econômica do governo têm colocado no radar, inclusive, especulações quanto à continuidade do Ministro da Economia, e isto preocupa o mercado e seria um fator de forte impacto nas diretrizes do país na área econômica, perdendo de vez o alinhamento com o liberalismo.
Este cenário extremamente relevante, com eventual rompimento do teto orçamentário elevando o caos fiscal, pode provocar mudanças substantivas elevando a depreciação do real frente ao dólar, queda impactante na Bovespa e elevação das taxas de juros.
O comportamento destes indicadores já se mostrou sensível ao cenário conturbado presente no desempenho de ontem do mercado financeiro brasileiro, extrapolando as margens de razoabilidade tanto da Bovespa quanto do dólar, demonstrando o quanto é intranquilo o momento, deixando inconteste a fragilidade do otimismo até então.
Em razão deste quadro que tem a prevalência de indicadores que tendem a se revelar enganosos no curto prazo, é que entendemos extremamente precárias as projeções de indicadores econômicos que se colocam à frente do momento imediato, já que há uma grande nebulosidade para projeções e perspectivas de médio e longo prazo.
A observação do comportamento da economia global e das ações adotadas pelas principais economias é importante, porém é errática a “apropriação” dos fatos externos para mitigar os relevantes problemas internos do Brasil.
Há grande probabilidade de enfrentarmos um choque de “realidade” e passarmos a observar a dinâmica pouco alvissareira do país, o que não ocorreu até agora, e que seja entendida de forma objetiva que o desafio ao Brasil é bem maior do que o tem sido visualizado.