“Que sabes tu do fim?”
Começo com essa provocação de Menotti Del Picchia para falar do final. Mais precisamente do final de 2020. O ano que se mostrou duríssimo durante a maior parte do tempo pode terminar muito melhor do que supõem as estimativas de consenso.
“Voa e canta enquanto resistirem as asas.” A persistência, a disciplina e a paciência acabam recompensadas. O investimento é um exercício de terminativa, não de iniciativa. O jogo só acaba quando termina. Ou talvez nem acabe. É uma caminhada infinita, stairway to heaven. E você é tão bom quanto seu último trade. Importa o que está à nossa frente e a capacidade de aceitar o destino, a famosa serenidade em acatar as coisas que não podemos mudar, a coragem para mudar as coisas que podemos e a sabedoria para diferenciar as coisas. Amor fati em Nietzsche, beatitude em Espinosa.
Depois das dificuldades, talvez encerremos o ano com ativos de risco impensáveis há pouco tempo.
O estrangeiro, depois de muito tempo ausente, volta a comprar Bolsa brasileira com algum vigor — num mar de tantos trilhões de liquidez, talvez os R$ 17 bilhões de fluxo estrangeiro líquido em novembro na B3 (SA:B3SA3) não sejam assim tão vigorosos para eles, mas, para um mercado grande com uma porta pequena, parece substancial para fazer preço por aqui, numa dinâmica que historicamente forma-se em clusters e, portanto, sugere arrombamento adicional pela frente.
Os resultados trimestrais das empresas brasileiras, conforme muito bem apontados pelos gestores da Dahlia em entrevista à Bloomberg, são uma surpresa positiva por dia. Talvez eu esteja um pouco velho, cão velho sob a necessidade de aprender truques novos, mas ainda acredito naquela coisa antiga de que ações são empresas, que acabam seguindo os lucros. Podemos ter dias pontuais de queda para B3 e Magalu, dado o rotation global, mas, com essa dinâmica de resultados, cedo ou tarde as coisas convergem.
E, como insisto com frequência, por mais que nossas estradas, tempo e vento aparentemente caminhem para desabar no abismo, a verdade é que tomamos a direção contrária quando a aproximação do precipício é grande. O Brasil, nem sei bem por quê, goza de uma força gravitacional antagônica àquela dos buracos negros. Passadas as eleições municipais, há algum espaço para a retomada das conversas de formas e cuidado com nossa trajetória fiscal, que, aliás, pode ser melhor do que a esperada mediante recuperação da economia acima das projeções. Reformas não por boniteza, claro, mas por precisão.
Encontrei o lindo poema de Menotti Del Picchia enquanto assistia à inspiradora conversa do senhor Luiz Seabra, fundador da Natura (SA:NTCO3), no canal “Escolha pela Vida” nesse final de semana. Ela me fora encaminhada por um amigo gestor, com posição nas ações da Natura. Registro aqui meus agradecimentos públicos, porque foi um momento muito rico para mim. Há tanta coisa ali. Uma trajetória empreendedora de muito sucesso, mas, acima de tudo, uma visão sobre a vida de muita profundidade e sabedoria. Quem foi mesmo que inventou essa separação entre “o sujeito na física” e “o profissional na jurídica”? Fico pensando em pessoas que se travestem para entrar numa empresa. Só pode ser isso. Deixam sua verdadeira identidade do lado de fora e vestem um uniforme de personagem corporativo ao cruzar a porta do escritório. Aliás, vale também para o home office? Estou confuso. Tela azul. Poderia ser uma menção ao ótimo podcast de tecnologia dos jovens brilhantes e disruptivos da Empiricus , mas é só minha frustração diante da dificuldade de encontrar gente de verdade neste mundo.
Refleti bastante a partir das palavras do senhor Luiz Seabra. Em alguma medida, ele é o oposto da turma da 3G, do Jorge Paulo. A forma com que ele fala de China, Grécia, filosofia, medo, relações humanas. Para alguns, é só erudição, pensamentos diletantes e outro jeito de ver as coisas. Pode ser. Mas eu acho que é mais do que isso. E não quero ofender ninguém com meu comentário. Para mim, porém, esse posicionamento está muito mais bem preparado para os dias atuais e os desafios das próximas décadas do que a obstinação por corte de custos e o culto do dinheiro pelo dinheiro, sem um propósito de vida muito claro. Esse é o verdadeiro ESG, que se escora na ética e no propósito. O resto é perfumaria, de gente que está mais preocupada com posts no LinkedIn do que em propriamente tratar bem as pessoas do seu entorno e seus clientes. Os travestis do marketing pessoal. “A gente contrata essa moça grávida e logo posta nas redes. Bingo! Sai barato.”
É um privilégio podermos, como brasileiros, contar com empreendedores como essa turma da Natura, referências globais que, no meu entendimento, deve estar entre as líderes de performance em Bolsa nos próximos anos. No final do dia, é tudo sobre gente.
Essas eleições municipais me lembraram do quanto os brasileiros gostam de falar mal do governo. Os impostos são muito altos. Os serviços públicos são ruins. Os privilégios de políticos e de algumas castas do funcionalismo acentuam a desigualdade social. O Estado existe apenas para alimentar a si mesmo, diante de um faminto Leviatã. Existe muita corrupção.
Tudo isso é verdade. Mas se você perguntar para a maior parte dos críticos onde está o dinheiro deles, provavelmente vai encontrar como resposta: está lá financiando a dívida pública, como se pudéssemos criar algum valor a partir disso.
A geração de valor, seja para si ou para a sociedade, costuma vir do setor privado. E, portanto, se somos tão críticos da esfera pública, talvez pudéssemos pensar em financiar justamente as empresas privadas, por meio do mercado de capitais.
Você pode fazer isso e se tornar sócio de empresas maravilhosas. Felizmente, ainda há no mundo pessoas como o senhor Luiz Seabra. As ações da Natura estão te esperando. Se temes que teu mistério seja uma noite, elas podem enchê-lo com estrelas.