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O seu primeiro carro elétrico vai ficar para depois

Publicado 04.10.2023, 09:05
Atualizado 09.07.2023, 07:32

O ano era 2009, e quem tem menos de 30 anos não vai se lembrar. 

Ocorria uma invasão de carros sul-coreanos no mercado brasileiro. Só se falava nos hatchs médios e sedans tecnológicos K-pop que deixavam a “indústria nacional” no chinelo. Isso porque eles estavam bem à frente em tecnologia e preço. 

Só que tinha um detalhe: tudo era importado.

Durante alguns meses, houve um lapso, uma janela temporal em que ninguém do governo percebeu isso. Mas a “indústria nacional”, atenta, fez o seu lobby tradicional e conseguiu dar um jeitinho na situação. Foi usada a barreira comercial mais antiga e eficaz de todas: aumentou-se o imposto sobre a importação. 

O final, previsível, foi de que os preços desses carros foram elevados em quase 40%. Aí, quem queria um coreano precisou se contentar mesmo com os alemães e americanos de segunda linha. 

E não é déjà vu, não. De novo, você que tem mais de 30, está prestes a presenciar o mesmo movimento, mas agora com os carros elétricos.

Taxar o importado para “proteger” a indústria nacional

Todo país que começa a se industrializar faz isso substituindo aquilo que antes importava. Para isso, criam-se dificuldades para a entrada dos importados, com taxação. A ideia é de que uma indústria nascente não teria condições de competir de outra forma. Isso não foi diferente no Brasil a partir dos anos de 1930, nem na China a partir dos anos de 1970. 

Você até que começa bem, produzindo aquilo que não tem tecnologia. E o motivo é muito simples: para dominar a tecnologia é necessário educação e treinamento que elevem a produtividade. 

Não importa em qual fase do processo de produção ou sobre quais bens e serviços o mecanismo é aplicado: no final, o que é produzido internamente ficará muito mais caro do que aquilo que é importado. Não há eficiência e, muitas vezes, nem mercado consumidor. 

Para se ter ideia, uma máquina de lavar produzida no México nos anos de 1960 era 10 vezes mais cara do que uma máquina americana. Isso fazia com que o consumidor mexicano pagasse o pato, em prol de uma indústria “genuinamente nacional” e pela criação de empregos artificialmente. 

Com a criação da indústria automobilística brasileira não foi diferente. Bem da verdade, montadoras alemãs e americanas enviavam restos de suas linhas de montagem ultrapassadas para montarem as suas fábricas por aqui, com todo tipo de isenção de tributos que você pode imaginar. 

Dadas as particularidades do Brasil, como a tributação bisonha e a baixa produtividade, o final era bem similar ao que ocorria com as máquinas de lavar mexicanas: preço altíssimo e produto de qualidade muito inferior. 

Só para não esquecer: lá em 2009 o governo prometeu que se as montadoras coreanas abrissem suas fábricas aqui, elas teriam as mesmas condições e vantagens que as outras. 

E o custo Brasil continuaria caindo no colo do consumidor brasileiro, também.

Carros elétricos e híbridos

A revolução dos carros elétricos já vem tarde no Brasil. Na Europa e nos Estados Unidos, esse tipo de veículo já domina uma parcela significativa do mercado, devido às metas de redução de emissões. Aqui, apenas 2% do mercado é composto por carros eletrificados.

Com os últimos lançamentos, o mercado automobilístico e a "indústria nacional" de veículos a combustão passaram a girar nos calcanhares. Isso ocorre porque muitos carros elétricos (em sua maioria chineses) estão sendo oferecidos a preços pouco acima dos carros populares em suas versões mais caras. De repente, as pessoas começaram a considerar a "absurda" possibilidade de adquirir um carro elétrico que custa menos de R$ 80,00 para rodar 500 quilômetros e que possui garantia para a bateria de até 1 milhão de quilômetros.

Desde 2015, os carros elétricos têm tarifa zero de importação, enquanto os híbridos enfrentam uma taxa de 4%. Lembra daquela janela temporal para os importados coreanos e que, às vezes, se abre para algum produto ou serviço aqui no Brasil? Bom, ela já tem data para se fechar. 

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio anunciou nesta semana que retomará a cobrança do imposto de importação sobre os carros elétricos e híbridos. Essa cobrança será gradual nos próximos três anos, até atingir 35%.

Carro rosa na rua

Descrição gerada automaticamente

Gurgel Itaipu, primeiro automóvel elétrico desenvolvido na América Latina (1975).

Os cálculos indicam que cada ponto percentual de imposto será revertido em elevação de preço. Em resumo, o carro elétrico mais vendido no Brasil, que é oferecido por R$ 150 mil, passará a custar R$ 202.500,00. A justificativa é que o governo chinês subsidia suas montadoras, o que torna seus preços tão competitivos. Obviamente, ninguém ousou mencionar o lobby nem todo o apoio que o mercado automobilístico brasileiro recebeu nos últimos meses, o que também é um tipo de subsídio. Muito menos se falou sobre a redução das emissões.

No entanto, a discussão sobre a necessidade de essas montadoras abrirem fábricas aqui já começou. Deixo a experiência do leitor com os infindáveis casos brasileiros para responder se, quando essas fábricas começarem a produzir seus veículos aqui, o cidadão brasileiro comum terá as "vantagens" que agora possui ao adquirir carros populares a combustão.

Dois pesos...

O seu avô deve se lembrar da Gurgel Motores S/A, que, por incrível que pareça, foi uma fabricante de automóveis brasileira. A fábrica nasceu em 1969 pelas mãos do engenheiro João Augusto Gurgel, mas foi dizimada quando o governo Collor, no início da década de 1990, abriu o mercado brasileiro aos importados e isentou o IPI para carros com motor 1.0. 

Veja só: a ele nada se deu, mas tudo se tomou. Todo mundo se deu bem: de um lado os importadores e do outro lado a “indústria nacional” com isenção de imposto. Só que a Gurgel não se encaixava em nenhum dos casos e fechou. 

Ah, foi o Gurgel quem construiu o primeiro carro elétrico da América Latina. Ironicamente.

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