No decorrer da primeira semana de dezembro, vimos o presidente americano Donald Trump comunicar o retorno da sobretaxa de importação do aço e do alumínio brasileiro e argentino. A medida, claramente protecionista, faria algum sentido se a intenção fosse realmente proteger a indústria e a agricultura norte-americanas como alegado, mas não é bem por aí.
O retorno das tarifas, que no passado foram de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio brasileiros, estão sendo justificadas pela acusação de manipulação do câmbio. Talvez você já tenha ouvido falar sobre isso porque trata-se exatamente da mesma acusação dos EUA contra a China, mas caso não tenha, “manipulação do câmbio” quer dizer basicamente que um país está influenciando a cotação da sua moeda frente ao dólar com a finalidade de obter vantagens comerciais.
Trazendo para o nosso cenário, o real desvalorizado favorece os exportadores brasileiros que têm, para cada R$ 1,00 de custo, mais de R$ 4,00 de lucro com a atual cotação do dólar, por exemplo. Ocorre que o contrário também é verdadeiro. Ou seja, aqueles setores que dependem da importação de produtos americanos sofrem o efeito reverso, o que cria um equilíbrio entre as exportações e importações brasileiras.
Do ponto de vista americano, porém, o quadro é um pouco diferente. Lá, se os produtos brasileiros ficam mais baratos por conta da moeda, eles acabam prejudicando a venda dos produtos americanos, tanto para o consumo local quanto para consumo internacional nos setores em que Brasil e EUA concorrem. Dessa forma, daria para entender as razões que levariam o presidente americano a “proteger” os seus próprios produtores de aço e alumínio.
O “X” da questão, porém, é outro.
O primeiro ponto é que a desvalorização do real e do peso, salvo particularidades, é um reflexo da insegurança do mercado em meio à guerra comercial entre os EUA e China, criada pelo próprio Trump, somado às preocupações com a desaceleração da economia global.
E o segundo ponto, mais específico, é que o aço mais vendido do Brasil para os EUA é do tipo semiacabado, muito utilizado na indústria automotiva, um setor fundamental para a economia norte-americana. Isso quer dizer que a medida pode até beneficiar os produtores locais de aço e alumínio no curto prazo, mas sobretaxar um produto tão importante para a cadeia produtiva de veículos vai encarecer a produção e pode até gerar dificuldade de escoá-la, o que, em última instância, pode aumentar o desemprego no médio e longo prazo como já aconteceu no passado.
Mas, então, se não há um grande motivo ou vantagem econômica por trás do anúncio de Trump, por que ele estaria comprando mais uma briga comercial? Por que ele estaria disposto a ter uma vantagem no curto prazo, se isso pode gerar desemprego no longo prazo?
A resposta é simples: as eleições presidenciais de 2020 estão chegando.
A mudança de postura do presidente americano nas últimas semanas é notável. Trump está demonstrando o desejo de fortalecer a sua imagem e agradar a base eleitoral que o elegeu em 2016, em especial os fazendeiros e a indústria automotiva, o que ele consegue ao anunciar a medida sem dar mais detalhes ou se comprometer com prazos de implementação.
O cálculo político, porém, é extremamente delicado e difícil. Para que os indicadores econômicos sejam os melhores possíveis na época das eleições, o presidente americano terá que se dividir entre medidas protecionistas que agradem sua base e acordos comerciais que projetem um crescimento maior para 2020.
Não se surpreenda, portanto, se entre tapas e beijos, os EUA fecharem acordos daqui, enquanto arranjam brigas ali, falarem uma coisa, mas agirem de outra forma. É o jeito Trump de fazer política.
Por Ernani Reis, analista da Capital Research