Um dos mais famosos gestores de nosso tempo, Howard Marks, escreveu em seu brilhante livro “A coisa mais importante”, sobre o que ele chama de pensamento de segundo nível. Este tipo de pensamento seria quando pensamos de forma analítica, fria e calculista sobre situações que o mercado e as pessoas não estão enxergando, que podemos ter uma opinião diferente do mercado e conseguir se favorecer disso.
Em março de 2020 talvez não seria tão fácil imaginar que as vendas online teriam um crescimento tão expressivo, ou que talvez, pessoas com alto padrão de vida, iriam sair das cidades grandes e buscar qualidade de vida no campo. Comprando casas maiores, reformando e mudando bem esse setor imobiliário. Naquele momento não eram apostas tão óbvias, mas são bons exemplos de pensamento de segundo nível que Marks comenta em seu livro.
Outro brilhante gestor, não menos famoso, Ken Fisher (filho do Philip Fisher, mentor do Warren Buffet) comenta algo parecido em seu livro, “O jeito Ken Fisher de investir” com a teoria do Marks. Segundo o autor, o investidor só deveria ter apostas contra o mercado, caso tenha informações e convicções a respeito de uma ideia de investimento, que não esteja no preço, caso contrário, ele deveria ficar neutro em suas apostas. De um jeito diferente, o Fisher comenta algo bem parecido com o que o Marks prega em seu livro. Devemos tentar entender o que “não está no preço” e tentar se favorecer disso no mercado.
De uma forma muito humilde e sem nenhuma comparação a esses dois gênios da gestão de investimentos, eu vou tentar trazer algumas teorias que talvez não estejam no preço hoje e que assim, poderíamos estar fazendo uso do pensamento de segundo nível ou de segunda ordem do Howard Marks.
A primeira ideia é que a bolsa brasileira está extremamente barata, hoje negociamos a múltiplos de preço vs lucro de dezembro de 2015 ou dezembro de 2008. Mais que isso, nesse ciclo atual as empresas de commodities estão com um bom desempenho, possuem um bom resultado e um peso importante na nossa bolsa.
Isso quer dizer que todo o restante do nosso mercado está extremamente descontado. Setores como varejo, construção civil e propriedades estão com uma precificação que há muito tempo não se via. Estamos do outro lado tendo um forte aumento da taxa Selic, provocando uma fuga de ativos de renda variável e alocação de capital em renda fixa, intensificando ainda mais essa distorção. O investidor local sacou o que pode de ações e alocou em renda fixa.
O Banco Central está perto do fim do ciclo de alta do juros, em mais uma reunião veremos a Selic chegar perto de 14% ao ano, sendo geralmente nesses momentos que a bolsa faz “fundo” e que se atinge o menor valor dentro de um ciclo. Em alguns meses teremos o arrefecimento da inflação e o mercado começará a precificar um corte de juros. Se pensarmos que historicamente o BC posiciona a Selic a 3% acima da inflação corrente (só uma simplificação esdrúxula), as projeções indicam que ao final de 2023, teremos uma inflação de 5,50% e uma projeção de Selic a 8,50%.
Esse movimento já se repetiu tantas vezes no passado e a bolsa sempre volta a subir antes dos cortes de juros efetivamente acontecerem. Para quem tem apetite a risco, hoje podemos ter na mesa uma oportunidade de se investir em renda variável com a famosa "margem de segurança”, principalmente nas boas empresas dos setores mais impactados.
Dentro dessa mesma linha, alguns analistas defendem que a precificação atual da nossa bolsa é fruto também de uma eleição complicada que se desenha no fim do ano. De um lado temos o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), esse último está em primeiro lugar nas pesquisas. A precificação da bolsa brasileira pressupõe que teremos um próximo presidente quebrando a nossa âncora fiscal e levando o país a uma recessão.
Será que isso vai mesmo acontecer? Os dois candidatos já governaram o país, sabem da importância dos avanços do passado e os riscos de sairmos desse rumo. Por outro lado, o mercado parece que colocou esse cenário na conta, principalmente na precificação das estatais, Banco do Brasil (SA:BBAS3) e Petrobras (SA:PETR4) negociam com descontos imensos na B3 (SA:B3SA3). Basta ver um Banco do Brasil com estimativas de lucrar R$25 bilhões em 2022 e valendo perto de R$100 bilhões na bolsa. Se alguém oferecesse um projeto maduro, em um setor defensivo e resiliente como o bancário brasileiro, remunerando 25% ao ano, quem não faria esse investimento? Isso está no preço? Eu acho que não.
Por fim, essas duas ideias são teses de investimentos fora do consenso de mercado. O pequeno investidor pode ter as suas próprias convicções e exercitar os pensamentos de segunda ordem, mas deve-se ter cuidado com os vieses e riscos envolvidos, geralmente são situações nem um pouco óbvias, mas caso acertadas, podem gerar um retorno significativo.
Outras teorias que acho que não estão no preço e que em outro momento posso escrever mais: e se os juros americanos subirem acima do patamar de 4% ao ano? Mercados pelo mundo irão colapsar?! Se tivermos uma recessão no mundo, commodities podem ter uma desvalorização significativa? E se a guerra na Ucrânia acabar, qual será a queda nas commodities, no ajuste da inflação no mundo e os bancos centrais no mundo poderão segurar o aperto monetário?!
Qual é o seu pensamento de segundo nível?