O PIB se contraiu no terceiro trimestre de 2021 e as indicações para o quarto trimestre vão na mesma direção. A pesquisa sobre o setor de serviços (PMS) mostrou queda de 1,2% em outubro, mês em que a arrecadação real da Receita Federal cresceu apenas 0,23% em relação ao ano passado e o indicador mensal do PIB, o IBC-Br do Banco Central do Brasil (BC), mostrou queda de 0,4%. Enquanto isso, a inflação continua perto de 1% ao mês, algo raramente visto no Brasil nos últimos 20 anos.
Mas, para além da variação de curto prazo dos indicadores econômicos, a evidência maior dos desafios dos próximos meses está em que esses indicadores mostram que o nível da atividade econômica se recuperou quase plenamente do choque da Covid. O PIB está próximo aos níveis de 2019, apesar do retardo do consumo das famílias, o qual continuará prejudicado pela inflação. A própria PMS começa a cair a partir de um nível de atividade no setor de serviços às famílias acima daquele pré-pandemia.
Daqui para frente, vencida a recuperação obtida com a ajuda do gasto público e de uma política monetária expansiva, há o árduo trabalho de crescer, agora sem tanto auxílio do governo e tendo que enfrentar algumas das sequelas, inclusive sociais, da pandemia.
A recuperação não veio de graça e mostrou o poder e as limitações da políticas keynesianas. Keynes ensinou que o gasto público pode evitar sofrimento desnecessário quando há capacidade ociosa na economia. De fato, a opção keynesiana em grande escala estimulou a retomada econômica no Brasil (e na maioria dos países da OCDE) na metade de 2020. Mas ela não é estratégia de crescimento, e estímulo demais à demanda se traduz geralmente mais em inflação do que crescimento, como visto a partir do final de 2020, quando a queda dos estoques levou a aumento de preços e escassez em alguns mercados.
E agora?
O governo terá menos chances de gastar à frente, apesar dos mais de R$ 100 bilhões encaixados no orçamento de 2022 com a PEC dos precatórios, que equivalem a quase 1,5% do PIB quando se incluem os efeitos multiplicadores de um aumento de despesa. Diante da persistência da inflação e do aperto monetário já contratado, é improvável que o aumento do déficit público no ano que vem consiga estimular muito a economia, especialmente pelo impacto que a PEC teve na percepção da solidez e efetividade do arcabouço fiscal proporcionado pelo teto do gasto.
O fato de já termos alcançado o nível de atividade de 2019 também tem implicações para o mercado de trabalho. Durante muitos meses a pesquisa nacional sobre mercado de trabalho conduzida pelo IBGE (PNAD) foi prejudicada pela Covid, pois ela não podia ser domiciliar. Agora, um novo cenário do mercado de trabalho surgiu com a retomada da pesquisa na sua forma habitual. Ele também indica que o espaço de recuperação “sem custo” praticamente já se esgotou. Assim, a taxa de desemprego não deve cair muito nos próximos meses, limitando o aumento de demanda das famílias.
A demanda das famílias também deve ser limitada em 2022 pela subida dos juros. Essa subida pode comer até 5% da renda das famílias, comprometendo até 35% da renda familiar com o serviço das suas dívidas. Assim, o crédito não irá financiar maior consumo, o qual vai depender da despoupança das famílias. Isso está se dando não só nas famílias mais abastadas que voltaram a viajar, mas também entre os trabalhadores, como ilustrado pelo grande sucesso dos produtos financeiros que permitem ao trabalhador antecipar até 7 anos dos “saques aniversário” do seu saldo no FGTS.
O crescimento em 2022 será moderado, ou mesmo negativo, sem expansão significativa do emprego, e sujeito a uma política monetária que deverá estar atenta para facilitar a queda da inflação sem asfixiar a economia.
A queda da inflação dependerá de não se repetirem choques que praticamente dobraram a inflação em 2021. O aumento da gasolina, etanol, gás de bujão e eletricidade adicionaram quase 3 pontos percentuais à inflação de 2021 projetada no começo do ano. Além disso, automóveis novos e usados somaram mais de 0,5% de “surpresa inflacionária” ao longo do ano, a que se juntaram um rescaldo dos aumentos dos preços das commodities em 2020 e os efeitos da seca, que impactaram o preço da comida em casa. Nada disso deve se repetir em 2022, com as commodities se acomodando ao redor do mundo. Assim, ainda que a gasolina não fique barata, ela não deve contribuir para a inflação se o real não desvalorizar. Por isso, o time de macroeconomia do Safra prevê uma inflação abaixo de 5% em 2022, mesmo com uma Selic entre 10% e 11%.
A partir dessas linhas gerais, o Banco Central terá que orientar a política monetária no começo de 2022, com implicações para 2023.
Há muitos reajustes de preço no começo do ano — inclusive do salário-mínimo, que deve ficar perto de 10%. Assim, a inflação não deve estar nos 0,5% mensais, necessários para a ela convergir para a meta. O BC terá, portanto, que exercer certo julgamento em fevereiro, decidindo se continuará apertando a política monetária como sinalizado agora.
Talvez mais importante, o BC deverá apontar em março o que fará nos meses seguintes, inclusive eventuais reduções de juros no período eleitoral. Para isso, ele contará com a leitura do PIB do quarto trimestre de 2021 e alguns indicadores do primeiro trimestre de 2022, além de mais informações sobre o passo da política monetária americana e das mudanças estruturais na China, e suas prováveis implicações. Ainda lhe faltará, é verdade, o conhecimento da política fiscal que o governo vai deixar para 2023. O que pode vir com a publicação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO-2023) em 15 de abril, indicando, por exemplo, qual o valor dos benefícios do bolsa família no ano pós eleitoral.
Em suma, 2022 deve se beneficiar da situação externa confortável, um câmbio competitivo e a normalização de setores como o da Saúde, graças ao sucesso da vacinação iniciada em janeiro de 2021. Apesar do impacto no arcabouço fiscal trazido pela PEC dos precatórios e certa latitude no uso dos créditos extraordinários em 2021, evitou-se o engano de esticar políticas keynesianas como ocorreu em 2011-12. Até porque a relação dívida pública/PIB que era de 52% há dez anos fechou 2020 em 88%.
Persistem, no entanto, desafios sociais sérios, apontando para a importância de uma discussão pública e saudável dos planos para 2023 e adiante, que tragam a esperança de crescimento do PIB acima de 3% no médio prazo. Crescimento que é considerado como possível por economistas experientes, se baseado também na aceleração dos ganhos na educação alcançados nos últimos 20 anos, modernização da administração pública através de metas e outras ações de gestão e maior investimento privado e público na infraestrutura. Essas perspectivas também devem ser ingredientes valiosos para atravessarmos o próximo ano com segurança e tranquilidade.