Quem tem mais de 30 anos provavelmente está acostumado a falar de inflação com foco na política fiscal e monetária de um país. É natural. Somos a geração que cresceu em meio à hiperinflação e que viveu a criação do Plano Real.
Mas, passados 30 anos desde a criação da nova moeda, vivemos tempos turbulentos com impeachment e crises financeiras de várias naturezas distintas. Talvez até estejamos caminhando para mais uma aqui no Brasil.
Porém, atualmente, uma nova realidade tem chamado a atenção para a questão da inflação: a crise climática.
A economista-chefe da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro, produziu um artigo sobre o assunto e eu gostaria de compartilhar alguns insights do que ela disse com você aqui no Investing.
De acordo com a economista, os problemas climáticos já não são mais uma questão teórica, e seu impacto nas finanças está cada vez mais evidente.
Segundo a Tatiana, incêndios florestais, inundações causadas por rios atmosféricos, e o aumento da frequência de tornados e furacões, devido ao aquecimento da superfície dos oceanos, são exemplos claros de como o clima impacta a economia global.
Em 2023, por exemplo, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) relatou 25 desastres climáticos nos Estados Unidos, resultando em perdas de mais de US$ 1 bilhão.
No Brasil, a combinação do aumento da temperatura média com o El Niño resultou em uma redução de 6,4% na safra de grãos em relação a 2023, o que pressionou os preços dos alimentos.
As condições climáticas extremas não afetam apenas a agricultura. A superneblina e a fumaça tóxica que atingiram o Meio-Oeste e o Nordeste dos EUA, causados pelos incêndios no Canadá, agora afetam também o Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, especialmente São Paulo, que recentemente registrou a pior qualidade do ar no mundo.
Esse tipo de fenômeno, além de prejudicar a saúde da população, também afeta a logística e a produção, gerando impacto direto nos preços.
À medida que nos preparamos para a safra de 2024/25, o Brasil enfrenta uma nova realidade: a crescente incidência de incêndios florestais ameaça diretamente a produção agrícola.
Desde abril de 2024, o país registrou 6.695 focos de incêndio, um aumento de 61% em relação ao mesmo período do ano anterior. Isso lança uma sombra sobre as expectativas de safra e coloca em risco o abastecimento de alimentos, pressionando ainda mais os preços.
Além disso, as previsões climáticas para os próximos meses indicam um novo episódio do fenômeno La Niña, com uma chance de 70% de ocorrer entre setembro e novembro de 2024, segundo a NOAA.
O impacto desse fenômeno é profundo e varia em diferentes regiões do Brasil. Enquanto o Norte e Nordeste enfrentam chuvas intensas, o Sul pode sofrer com longas estiagens, o que afeta diretamente o setor agrícola e, consequentemente, a inflação.
A inflação climática também afeta a energia. O Brasil, que ainda depende em grande parte de fontes hidráulicas (62% da matriz energética), pode ver a oferta de energia pressionada pelas condições climáticas.
Durante os últimos episódios de La Niña, entre 2020 e 2022, os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste chegaram a mínimas de 17% da capacidade, enquanto o Norte e Nordeste, mais favorecidos pelas chuvas, atingiram quase 99%.
Esses desequilíbrios geram volatilidade nos preços da energia, pressionando ainda mais a inflação e limitando o crescimento econômico.
Graças à evolução tecnológica, a agricultura brasileira conseguiu triplicar sua produtividade desde os anos 80, mas o setor energético ainda está vulnerável às variações climáticas.
No curtíssimo prazo, o grande desafio para 2025 será enfrentar a inflação climática na energia, que pode restringir o crescimento econômico e complicar ainda mais a condução da política monetária.
As condições climáticas extremas estão criando desafios não só para a inflação, mas também para a política monetária.
No Brasil e nos EUA, a última Super Quarta – quando os bancos centrais anunciam suas decisões sobre as taxas de juros – ganhou uma dimensão ainda mais importante.
Os formuladores de políticas, a partir de agora, vão precisar considerar o impacto dos eventos climáticos ao definir os próximos passos.
No Brasil, o El Niño já afetou a produção agrícola, elevando os preços dos alimentos. A alta na inflação provocada pela oferta restrita de alimentos, somada ao aumento nos custos de energia, são fatores críticos que o Banco Central terá que levar em conta ao decidir sobre a Selic.
Esses elementos adicionam complexidade na batalha contra a inflação.
Nos Estados Unidos, desastres climáticos como furacões e incêndios florestais têm pressionado os preços de seguros e habitação, além de impactar o fornecimento de commodities agrícolas.
Mesmo com a inflação americana se aproximando da meta de 2%, as pressões nos preços de alimentos e energia podem limitar o ciclo de cortes de juros.
À medida que o clima continua a se tornar um fator mais relevante na economia global, a inflação climática deve ser encarada como uma realidade.
Os eventos climáticos extremos não apenas afetam a produção agrícola e energética, mas também influenciam diretamente as decisões de política monetária e, por consequência, nossas finanças.
A partir de agora, será cada vez mais comum vermos o Banco Central levar em consideração esses fatores climáticos na definição de sua política de juros, tanto no Brasil quanto no resto do mundo.
Este novo cenário exige um novo olhar para a economia, onde o impacto do clima sobre a inflação será parte central das análises econômicas.
É esperar para ver.
Até a próxima e bons negócios!