No final do meu ensino médio fiz um curso pré vestibular com a intenção de reforçar ou retomar alguns conceitos que passaram batidos ao longo dos anos anteriores. O objetivo era chegar pronto e ser aprovado no vestibular da UFRGS. Felizmente a meta foi atingida. Acredito que essa também foi uma rotina de muitas pessoas que estão lendo esse artigo. Se não foram alunos diretamente, vivenciaram essa situação com filhos, amigos, etc.
Mas o que isso tem a ver com a Petrobras? Calma, já chego lá.
Nesse período preparatório, passamos alguns meses revisando alguns conceitos, aprendendo outros, treinando com exercícios, fazendo provas simuladas. A intenção, claro, é chegar pronto na hora do teste. Conforme o tempo passa e vamos ficando mais experientes, vemos que essa ideia de estarmos 100% preparados para algo é ilusório. O mundo é aleatório demais para conseguirmos um mínimo controle sobre as coisas.
Enfim, depois desse treinamento inicial, temos aquela última semana em que os principais conceitos são revistos. É um “intensivão” em que os professores nos sugerem aquelas ideias chaves, que não podemos esquecer sob hipótese alguma, mas que eventualmente passam batidas.
Aí entra a Petrobras (SA:PETR4) na história.
Os últimos dias trouxeram uma revisão importante de conceitos como: governança corporativa, análise de balanços, avaliação relativa, gestão de risco.
A semana iniciou com a indicação de um novo Diretor Presidente, o general da reserva Joaquim Silva e Luna, para a empresa, depois de discordâncias entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e Roberto Castello Branco, atual CEO da companhia. O motivo da desavença era a política de preços da Petrobras e o consequente preço dos combustíveis.
Como a Petrobras é uma empresa de capital misto, a interferência do ente público sobre a companhia, com a clara intenção de influenciar na sua gestão, fere princípios de governança. Mais do que isso, rasga a confiança do mercado com relação a uma gestão mais focada na eficiência da mesma.
Vale sempre lembrar a situação financeira caótica em que a empresa foi levada após sucessivas ingerências dos governos anteriores. Ninguém mais aceita isso, não que aceitasse antes, mas acredito que a tolerância com possíveis interferências políticas está cada vez menor.
A sequência dos dias nos trouxe o encaminhamento, por parte do governo, de projetos com o intuito de encaminhar a privatização da Eletrobras (SA:ELET3) e dos Correios. Esse movimento foi o suficiente para tirar um pouco da nuvem escura que pairava sobre a Petrobras e trazer a ideia mais de um mal entendido do que de uma influência direta.
Junto a essa movimentação simbólica do governo, a empresa divulgou seus resultados trimestrais.
Na minha visão, os resultados divulgados pela empresa foram bons, ainda mais se ponderarmos pela crise enfrentada ao longo de 2020 e a consequente queda dos preços do petróleo. De um modo geral, os números vieram em linha com as expectativas do mercado, apesar das manchetes terem sido muito mais positivas do que a realidade.
Os números do quarto trimestre (4T20) vieram carregados de efeitos não recorrentes. Destaco a reversão de parte das perdas calculadas no 1T20 relacionadas à potencial redução de valor (impairment) dos campos produtivos, e a revisão de obrigações futuras da empresa do plano AMS (Assistência Multidisciplinar de Saúde).
Apesar dos não recorrentes, houve redução de custos de exploração e das despesas operacionais, diminuição da dívida e geração de caixa robusta.
A semana encerrou com a retomada do receio ligado a potenciais intervenções públicas nas estatais, após notícia do Jornal O Globo de que o presidente do Banco do Brasil (SA:BBAS3) havia posto o cargo à disposição em função de desgaste com o presidente Bolsonaro. Novo balde água fria nos investidores.
É importante deixar claro que as ações não são afetadas pelo potencial dessas notícias hoje, mas sim pelo efeito que essas decisões podem gerar sobre o desempenho das empresas no futuro. A fotografia do desempenho da Petrobras no último trimestre do ano é boa, a dúvida está em como serão as próximas imagens.
O que vem pela frente?
Acredito que a Petrobras tenha potencial para seguir apresentando uma melhora contínua de resultados, independente de que estiver à frente da empresa. É claro que será fundamental monitorar os movimentos do novo presidente, mas não acredito em uma guinada na gestão à la Dilma. Logicamente, será necessário um tempo para a retomada plena (se isso é possível) da confiança, mas ela virá. Prefiro pensar que todos entenderam o que pode acontecer com uma empresa quando ela não é gerida como tal.
Dito isso, quais os aprendizados da semana?
(I) Investir em empresas públicas não é a mesma coisa que investir nas empresas privadas.
(II) O resultado trimestral é muito mais do que a manchete de lucro recorde.
Governança corporativa é sim um item a ser monitorado.
(III) Não é porque uma ação caiu 20% em um dia que ela virou uma porcaria, nem se subiu 10% no outro que ela é ótima.
Não há nenhuma novidade nesses itens, mas são pontos que frequentemente esquecemos ou fingimos esquecer. O conhecimento profundo das empresas em que investimos, e a revisão contínua dessas ideias, é a melhor tática que podemos seguir.
Um abraço.