Vale a Pena Investir Em Debêntures de Infraestrutura? Conheça o Caso de RDVT11

Publicado 19.07.2019, 13:02

Muitos investidores me perguntam se tenho indicações específicas de debêntures de infraestrutura. A esperança deles é aumentar o retorno da carteira, uma vez que esses títulos não pagam IR.

Apesar de eu entender esse racional, fico me perguntando se essas pessoas têm noção da enorme dificuldade que é analisar esse tipo de debênture e entender exatamente o risco que se está correndo.

Esse pode ser o investimento mais arriscado do pedaço e pouca gente parece ter essa noção.

Então, para exemplificar essa minha afirmação acima, vou contar a história da debênture mais polêmica da atualidade: RDVT11.

A queridinha da corretora

Quando a debênture Rodovias do Tietê foi lançada, ela era a queridinha dos distribuidores e dos clientes. Com a promessa de pagar IPCA + 8 por cento isento de Imposto de Renda, ela atraiu a atenção de milhares e milhares de pequenos investidores, se tornando o papel com mais CPFs investidos do Brasil.

A história era a seguinte: uma empresa de concessão de rodovias, controlada por outras 3 empresas gringas, uma delas com ampla experiência em concessões, que fez o seu financiamento via uma debênture que venceria 10 anos antes do final da concessão.

Rodovias da concessionária

A empresa divulgou seu calendário de investimentos em Capex, em concordância com as regras definidas na concessão, que envolvia duplicar algumas rodovias.

O papel incluía alguns covenants, que limitavam o tamanho de índices financeiros que a empresa poderia ter.

Até aqui, parecia tudo normal.

O início do fim

Em meados de 2016, se não me engano, a empresa estourou seu primeiro covenant.

A crise econômica prejudicou fortemente o fluxo de carros nas estradas pedagiadas, reduzindo a receita esperada.

Os debenturistas se reuniram em assembleia, que mais parecia uma reunião de condomínio do prédio, e a empresa optou por pagar uma taxa para que os debenturistas a desobrigassem de cumprir aqueles índices financeiros.

Apesar de embolsarem um bom dinheiro, vários debenturistas decidiram vender seus papéis, jogando a taxa desse título para IPCA + 11 por cento no mercado secundário.

Foi aí que eu conheci o caso.

Achei a taxa super atraente, olhei a emissão, montei minha planilha com os fluxos de Capex e Opex, fiz cenários de stress para a receita e achei tudo aquilo muito interessante.

Fui para Salto (na sede da Concessionária) falar com o management, que me confirmou alguns números e me disse claramente que se algum dia faltasse receita para pagar os debenturistas, os controladores colocariam prontamente mais dinheiro, como já haviam feito antes.

Achei que a taxa valia o risco e entrei no papel a IPCA + 11, acreditando que a próxima leva de juros e amortização seria paga normalmente, o que faria a taxa do papel voltar a cair.

Isso acabou acontecendo. A empresa pagou os próximos fluxos, deixando os investidores novamente seguros do risco, e levando as taxas de volta para IPCA + 8,5.

Decidi recomendar a venda, por pensar que em algum momento essa dúvida de covenant e pagamento de juros poderia vir novamente à tona, levando a taxa mais uma vez para cima.

A real? Essa minha saída foi pura sorte! Mal sabia eu o que estava prestes a acontecer com o papel…

A situação atual

Um acidente em uma das rodovias acabou resultando em um bloqueio para reparos, que ajudou a prejudicar ainda mais as receitas da empresa. O fluxo nas estradas pedagiadas também não se recuperou como a empresa esperava.

Rodovia sob concessão da Rodovias do Tietê

As estimativas de Capex que a empresa fez no começo se mostraram totalmente equivocadas e, por diversos motivos (alta dos preços de cimento, entre outros), os números reais acabaram sendo bem maiores.

Isso é muito difícil de analisar. Como saber ou prever que uma estimativa de Capex acabará sendo muito diferente? Essa foi a minha maior lição para o papel. Pois eu consegui fazer um cenário de stress para a receita, mas nem cogitei fazer um cenário de stress juntamente para o Capex.

Além disso, os controladores, que “facilmente cobririam qualquer problema de caixa”, não fizeram mais nenhum aporte na empresa.

O resultado foi um balanço com uma série de prejuízos, comendo o caixa cada vez mais rápido, e diminuindo cada vez mais o dinheiro disponível para pagar os juros e amortizações dos debenturistas.

A empresa, desde então, já realizou diversas assembleias para tentar renegociar sua dívida. As condições apresentadas incluíam hair cut (redução do valor devido, simplesmente cancelando uma parte da dívida), redução na taxa de juros a pagar, prolongamento do prazo do vencimento da dívida...

E tudo isso ao mesmo tempo.

Claro que os debenturistas não aceitaram. As condições eram draconianas.

A empresa, até julho deste ano, conseguiu pagar os juros e amortizações com o caixa da conta de emergência, enquanto não se chegava a um acordo.

Agora, esse caixa já não deve conseguir cobrir as próximas amortizações.

A empresa segue tentando apresentar propostas de renegociação.

Os debenturistas estão cansados e muitos tentaram sair do papel. Mas isso não é mais tão simples assim. As taxas foram para IPCA + 40 por cento, antes da negociação ser suspensa. Ou seja, no free lunch.

Caso a empresa se torne inadimplente no final do ano, ela pode perder a concessão para os debenturistas, que tinham as ações em garantia. Imagine só isso.

Para quem tem essa debênture, não tem mais saída numa hora dessas. É rezar para que os controladores aportem algum capital e renegociem as dívidas no prazo, para que sejam mais facilmente aceitas pelos investidores.

Vá-se o dinheiro, ficam as lições

A lição que fica desse caso pra mim é óbvia.

Ao contrário de uma debênture normal – de uma empresa listada, com balanço publicado, mais fácil de ser analisada –, essas debêntures de infraestrutura são extremamente difíceis de se analisar, e muito da análise passa por confiar nas estimativas de gastos que as concessionárias informam.

A análise precisa ser feita por alguém que já trabalhou com aquele tipo de concessão específica. Caso contrário, é um show de informação assimétrica pro lado do investidor.

Parece bom investir em algo que não paga IR, mas o desconto do IR é ínfimo perto do risco gigantesco que você está correndo por estar em um projeto que não domina.

Você precisa se perguntar se isso vale realmente a pena, em termos de “risco x retorno”.

Eu dei muita sorte de conseguir sair dessa, ainda fazendo os meus assinantes embolsarem um grande lucro de marcação a mercado. Mas e quem não saiu? Quem não tem um analista independente para fazer esse tipo de análise?

E da próxima vez? Será que teria a mesma sorte?

Resumindo: tenha um extremo cuidado com debêntures de infraestrutura!

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