Um assunto que está sendo tratado com certa preocupação na comunidade do Ethereum é o surgimento de placas dedicadas especificamente à mineração do ether. A polvorosa se expande ao {{1025083|Monero}}, que também teve sua placa dedicada exclusiva desenvolvida. As chamadas placas ASIC já existem para moedas que usam hashes SHA-256 – como o Bitcoin e Bitcoin Cash – e scrypt – Litecoin. O Ethereum, por uma escolha de design, dificultou a criação de uma placa específica até onde fosse possível, para permitir mineração via GPUs. Entretanto, com a criação dessa placa, há preocupações no que diz respeito à centralização da mineração do ETH.
Uma questão que deve ser levantada, no entanto, é se de fato ASICs concentram o mercado. Há um consenso na comunidade de que o custo de uma placa ASIC inviabiliza a mineração efetiva, enquanto GPUs e CPUs são melhores para a confiabilidade da rede. Entretanto, pesquisas mostram que a rede do Ethereum não é tão descentralizada já hoje em dia: cerca de 50% da hashrate dessa moeda é dada por apenas três conglomerados de minerados. O Bitcoin, por sua vez, possui quatro mineradores concentrando essa proporção. A questão parece curiosa, mas novamente a microeconomia pode ajudar a explicar.
Num texto recente, eu argumento que a remuneração dos mineradores importa e, quanto maior, mais provavelmente a rede será descentralizada. Vale notar, no entanto, que na economia o lucro de uma atividade não depende apenas das receitas, porém muito também vêm da estrutura de custos. Quando minerar é mais barato, temos que maior hashrate é pedida e há a entrada de mais interessados no mercado, aumentando a descentralização. A existência de uma ASIC representa maior eficiência para a mineração, com uma potencial redução na energia elétrica consumida para produzir uma mesma quantidade de hashs. Como a dificuldade da mineração costuma ser adaptável, isso tem dois efeitos: parte do aumento é “inútil”, porém parte da redução na dificuldade também traz novos entrantes.
A rede do Ethereum já é concentrada, muito porque algo deve ser enfatizado: apesar de uma CPU ou GPU ser mais barata que uma placa ASIC, para minerar de maneira competitiva já são necessárias muitas CPUs e GPUs. O custo não é desprezível. As placas ASIC também são caras, porém não inacessíveis para pessoas que possuem dinheiro e veem nas criptomoedas um mercado a ser explorado. Num texto extremamente interessante, Joannes Vermorel explora a viabilidade econômica de blocos arbitrariamente grandes na rede do Bitcoin Cash, com conclusões sobre a viabilidade da rede com maiores blocos. O mesmo vale para fazendas de mineração com ASICs vis-à-vis GPUs e CPUs: já é caro minerar, a barreira à entrada já existe e é uma feature indesejável do algoritmo de proof-of-work.
Conclui-se que inovações na mineração não devem ser vistas com ressalvas, e, sim, abraçadas e bem recebidas pela comunidade. A descentralização das criptomoedas é algo importante para evitar ataques, porém é tratada com certa leviandade por muitos analistas e pesquisadores. Ao passo que a centralização excessiva – NEO e IOTA – é atacada, blockchains tradicionais são normalmente vistas como seguras sem se preocupar com questões como a estrutura de mercado da mineração. A diferença nas concentrações de Bitcoin e Ethereum mostram como os modelos teóricos – novamente esse artigo sobre a microeconomia da mineração – podem ajudar a desenhar moedas melhores.
No caso do Monero não me arrisco a ver previsões. Talvez sua facilidade de mineração em computadores normais leve a constituição mais fácil de pools por pessoas normais – eu e vocês lendo, com nossos laptops relativamente modernos e já adquiridos, levando a custo fixo zero. Se a moeda se valorizar mais, entretanto, ainda haverá incentivos para criar “fazendas de CPUs” em lugares com energia mais barata, trazendo menos chances para as máquinas comuns. Para o Ethereum vejo a maior concentração já acontecendo. Em suma, creio que evitar placas ASICs em algoritmos de Proof-of-Work é um erro que alguns desenvolvedores-chave de criptomoedas parecem estar dispostos a correr (por exemplo, os desenvolvedores do Monero).
Espero que haja algum debate sobre os incentivos da mineração no futuro, porque realmente acredito nos projetos do Ethereum e Monero. É contraintuitivo, porém permitir uma mineração mais focada não parece afetar negativamente a segurança e concentração das redes. As mudanças feitas para evitar os erros do Bitcoin foram feitas antes de analisar o que são erros do Bitcoin de fato. A cultura da comunidade muda lentamente, mas, nesse caso, vale observar as pesquisas acadêmicas: ser mais parecido com o Bitcoin não é de todo mal.