O mercado futuro de açúcar em NY fechou o pregão de sexta-feira com o vencimento março/21 cotado a 14.44 centavos de dólar por libra-peso, um recuo de 38 pontos em relação à sexta anterior, representando quase 8 dólares por tonelada de queda. O real uma vez mais seguiu se valorizando frente ao dólar repercutindo o cenário macro lá fora com o derretimento do Dólar Índex (DXY) e a entrada consistente de recursos estrangeiros para a compra de ações na Bolsa brasileira cujo índice já atingiu o nível pré pandemia.
Os fundos não-indexados carregam uma posição comprada que soma pouco mais de 220,000 contratos e não lhes está parecendo muito fácil – neste momento – conseguir elevar o mercado de açúcar acima dos tão almejados 15 centavos de dólar por libra-peso. As compras disparadas por sistemas de robôs e algoritmos que ignoram fundamentos e nos fazem perder tempo tentando racionalizá-las, não tem sido suficientes para manter o mercado naquele patamar.
Como se viu na semana passada, o Ministro das Finanças (MF) da Índia devolveu para o Ministério das Indústrias de Processamento de Alimentos (MA), sem nenhum comentário, a proposta que este fizera acerca do subsidio para a exportação de açúcar indiano. A recusa do MF escancara aquela máxima que diz que quando a necessidade entra pela porta, o subsídio se atira pela janela.
Não há como alocar recursos de mais de 10,000 rúpias por tonelada (pouco mais de 140 dólares por tonelada) num momento em que o país atravessa uma enorme crise fiscal em meio a uma pandemia que destrói a economia global e provoca uma contração no PIB indiano, no segundo trimestre, de 23.9% (no terceiro a queda foi de 7.5%). O problema não atinge apenas o açúcar. Produtores bloqueiam rodovias em protesto às mudanças na abordagem do governo indiano que indica que o fim de preços mínimos para produtos agrícolas pode estar mais próximo do que se imaginava.
Outra conversa ouvida no mercado foi que, sem o subsídio indiano, as cotações do açúcar no mercado futuro de NY podem atingir 16 ou 17 centavos de dólar por libra-peso. Será mesmo?
Imagine que você é dono de uma padaria que produz 32.000 pãezinhos por dia e o preço mínimo do pão é de 18 dinheiros por unidade. Ninguém pode vender abaixo desse preço na sua cidade. No entanto, há um excesso na produção de cerca de 6.000 pães que o governo vai ajudar você a vender para outras cidades, assim enxuga o excesso e mantem o preço mínimo inalterado.
Ocorre que no mercado livre o pão custa 14 dinheiros por unidade, mas o governo promete que vai te reembolsar os 4 dinheiros para toda a venda que você fizer além das suas fronteiras. Outros padeiros fizeram a mesma coisa o ano passado, mas receberam apenas 20% do dinheiro prometido pelo governo.
Agora, você está preparado para produzir os mesmos 32.000 pãezinhos, mas o governo não tem dinheiro. O que você faz? Tenta manter o preço de 18 dinheiros ou vai dando descontos cada vez maiores para conseguir escoar toda a sua produção? Você acha mesmo que as cidades vizinhas vão aumentar o preço do pão só porque você não tem mais ajuda do governo? Até poderia ser plausível se o mundo não estivesse com o consumo desmoronando e não houvesse pão suficiente para todo mundo. Mas, será que é esse o caso? O fato é que é bom você não esperar o que vai fazer esse governo e ir vendendo sua produção e travando sua margem.
O caso indiano mostra que a safra começou com um estoque de passagem maior do que o esperado. Isso ocorreu devido à diminuição do consumo durante o lockdown e, especialmente, no mês de maio, tradicional mês de festividades com os casamentos e o ramadã, em que centenas de milhares de toneladas de açúcar deixaram de ser consumidas. Embora o preço mínimo do açúcar para vendas no país seja de 31,000 rúpias, as usinas estão vendendo aos exportadores com descontos de até 2,500 rúpias já que precisam pagar os produtores de cana.
O mercado vai encontrar o equilíbrio. O estoque mundial de açúcar vis-à-vis o consumo vai aumentar. Não sabemos ainda quanto a retração do consumo devido ao covid-19 vai alterar essa relação. Os números já não eram bons antes, pois o consumo mundial tinha crescido apenas 0.46% ao ano nos últimos dez anos, qual será o impacto agora pós-pandemia?
Não consigo enxergar, neste momento, razões para acreditar que os preços de NY podem atingir 16-17 centavos de dólar por libra-peso. O que se viu na semana também foi o derretimento do dólar para R$ 5,1567 uma valorização da moeda brasileira em 3.17% na semana. Os valores médios dos açúcares para as safras 21/22 e 22/23 caíram quase R$ 50 por tonelada na semana. E nós falamos isso aqui dezenas de vezes: não perca a oportunidade de travar os preços em reais por tonelada.
Para uma reversão desse cenário, menos otimista que a maioria dos analistas, precisaríamos da combinação de alguns fatores: uma vacinação global em massa e em tempo recorde capaz de alterar a trajetória da economia, fazendo com que houvesse uma explosão de consumo, e a retomada da mobilidade social que elevaria o preço do petróleo e afetaria a arbitragem com o açúcar. Haja otimismo.
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Sabe aquelas pessoas que se acham melhor do que as outras? Que acreditam que estão mais bem preparadas e qualificadas para tomar importantes decisões? No fundo elas possuem uma enorme incompetência que potencializam suas dificuldades em reconhecerem seus próprios erros. Esse fenômeno tem nome: Dunning-Kruger. Colocar uma pessoa com esse perfil no comando de uma empresa, no cockpit de um avião ou sentada na cadeira da presidência de um país pode ser catastrófico. David Dunning, um dos psicólogos que deram nome a esse efeito, num estudo publicado no final do último século, chama essa síndrome de superioridade ilusória. Soa familiar, prezado leitor e estimada leitora?