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O papel dos mecanismos financeiros na mitigação climática

Publicado 29.02.2024, 10:00
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Por Marcos Gambi e Tomás Kovensky*

Em janeiro, líderes de diversos países, empresários, CEOs, políticos, acadêmicos e personalidades mundialmente influentes se reuniram em Davos, na Suíça, para o encontro anual do Fórum Econômico Mundial (FEM), uma organização internacional cujo objetivo é facilitar a cooperação público-privada. A reunião em Davos é um espaço para discutir diversos assuntos e decidir os rumos do mundo, especialmente no que diz respeito à economia global.

Um dos documentos que norteia os debates é o Relatório Global de Riscos, divulgado dias antes do início da reunião. Neste ano, o Relatório foi publicado em 10 de janeiro e chama atenção que, pelo segundo ano consecutivo na lista dos 10 maiores riscos em 10 anos, os quatro primeiros continuam relacionados à crise climática. Em primeiro lugar estão os eventos climáticos extremos, incluindo o aumento das temperaturas, inundações e incêndios florestais. Na segunda posição estão as mudanças críticas nos sistemas da Terra; seguida pela perda de biodiversidade e colapso de ecossistemas (terceiro lugar); e escassez de recursos naturais (quarto lugar).

Ainda segundo o Relatório, os países seguem despreparados para o enfretamento da crise climática e a cooperação global é escassa. É neste cenário que se realiza a reunião do FEM na Suíça, buscando discutir o equilíbrio entre o crescimento econômico e a sustentabilidade do planeta.

Pensando na realidade brasileira, um dos nossos principais desafios é conter e reverter o desmatamento, em especial na Amazônia e no Cerrado, biomas que abrigam parte da nossa rica biodiversidade. Por exemplo, no Cerrado, este desafio tem se mostrado de especial complexidade frente à constante expansão agrícola que fomenta a conversão de vegetação nativa, tendo em vista a competição desigual entre o elevado custo de oportunidade da produção em comparação com o da conservação. Este cenário, tem resultado em elevadas taxas de desmatamento nos últimos anos, totalizando 43% no último ano, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Assim, para além das ações de comando e controle do Estado brasileiro, fornecer alternativas econômicas e meios de produção sustentáveis e rentáveis são alguns dos caminhos para conter o avanço do desmatamento.

Neste sentido, soluções que usam o potencial da natureza, como os Sistemas Agroflorestais (SAFs) e o Manejo Sustentável de Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNM), têm se mostrado alternativas produtivas interessantes. Esses modelos produtivos têm potencial para fornecerem fluxos de caixa positivos para a restauração e a conservação florestal, bem como para apoiar os agricultores a se adequarem ao Código Florestal Brasileiro e a recuperarem déficits de Reserva Legal (que é o percentual de vegetação nativa que deve existir dentro de uma propriedade). Para os pequenos agricultores, essas alternativas representam uma forma de complementar a renda e melhorar a subsistência. Já no caso dos agricultores de médio e grande porte, é uma forma de complementar e diversificar a produção, tornando-se mais resilientes aos efeitos das alterações climáticas e às flutuações do mercado, especialmente o de commodities.

No caso dos SAFs, em 2020 os produtos originados no Brasil, como, por exemplo, cacau, açaí, e outros frutos, castanhas, fibras e óleos, somaram mais de US$ 1 bilhão e espera-se que o valor de mercado global para esses produtos em 2030 chegue a US$ 20 bilhões, segundo dados do IBGE. Já a gestão sustentável dos PFNM, como açaí, castanha do Brasil e pequi, entre outros, vem aumentando no Brasil desde 2012. Em 2017, totalizaram mais de R$ 1,5 bilhão em valor de mercado (cerca de US$ 300 milhões), 45% concentrados na região Norte. Há uma oportunidade significativa para o Brasil ganhar uma fatia maior deste mercado global emergente e captar até US$ 3 bilhões por ano, segundo o relatório “Better food, better Brazil", da Systemiq.

No entanto, apesar de serem alternativas promissoras, o déficit de capital é grande. Hoje, o financiamento rural não fornece recursos suficientes para atender e dar escala a estes modelos. Segundo cálculos da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, a oportunidade de investimento para implementação e produção de sistemas agroflorestais pode chegar a US$ 10,8 bilhões na Amazônia e US$ 17,5 bilhões no Cerrado. A lacuna calculada para projetos PFNM, para os próximos dez anos, chega a US$ 150 milhões para a Amazônia e US$ 3 milhões para o Cerrado.

Embora os benefícios socioambientais, como a conservação do meio ambiente, da vegetação nativa e de outros recursos naturais, destes modelos produtivos sejam percebidos como positivos, a ausência de track record faz com que seu risco seja percebido como maior pelo setor financeiro. Portanto, existe uma grande necessidade de capital concessional (dinheiro mais barato que pode ser fornecido empresas, fundações ou filantropia, agências e bancos de desenvolvimento) para equilibrar este risco e criar histórico de casos de sucesso, além de assistência técnica para ajudar a estruturar essas cadeias de valor. Para enfrentar estes desafios é preciso mobilizar o capital concessional em escala e ampliar a oferta de produtos financeiros adaptados às necessidades dos produtores, como empréstimos de longo prazo e juros mais baixos, entendendo que o retorno da adoção destas práticas é coletivo, já que estas soluções podem contribuir com um terço da mitigação climática necessária, segundo estudo promovido pela The Nature Conservancy e outras 15 instituições.

Neste cenário, as instituições financeiras têm um papel crucial na construção da ponte entre os produtores da cadeia de valor e os fornecedores de capital, na busca por soluções inovadoras que irão desbloquear o potencial destes modelos para negócios atraentes. A iniciativa Inovação Financeira para Amazônia, Cerrado e Chaco (IFACC), por exemplo, desenvolveu uma estrutura que pode ajudar as instituições financeiras a investir nessas cadeias de valor com um nível de risco equilibrado.

O IFACC trabalha na criação e implementação de soluções financeiras para transição da agricultura e pecuária livres de desmatamento, oferecendo apoio na gestão socioambiental e conexões com grupos que possuem capital subsidiado e outros provedores de capital de longo prazo necessário nessas transições.

Outros mecanismos financeiros como Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) e mercados de carbono também são meios inovadores para reverter o desmatamento com incentivos financeiros, aliando produção, conservação e recuperação florestal. No Pará, por exemplo, o Programa Estadual de Pagamento por Serviços Ambiental tem como objetivo oferecer estímulos econômicos eficazes para promover a conservação e a restauração, de forma a gerar impactos para regeneração e manutenção do bioma amazônico.

Com a crise climática como um fato, como temos percebido em nosso dia a dia e evidenciado pelos noticiários, é urgente a busca por alternativas de financiamento que propiciem recursos para ações que nos permitam adaptar às mudanças e sermos mais resilientes a elas. A cada dia que passa esta transição fica mais difícil e mais cara. Por isso, é preciso agir agora para garantir aos produtores rurais os incentivos e segurança para que possam viabilizar a transição produtiva necessária e promover o crescimento econômico com sustentabilidade.

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*Tomas Kovensky é especialista de Finanças Agrícolas na The Nature Conservancy (TNC) Brasil e atua desde 2021 em projetos filantrópicos (Iniciativa IFACC) e parcerias privadas para a conservação ambiental, engajando instituições financeiras e empresas da cadeia agropecuária em modelos produtivos livres de desmatamento. Anteriormente, trabalhou durante 6 anos no Banco ItaúBBA em áreas como Crédito Agrícola, Riscos e Modelagem. É Economista pela PUC-SP e Mestrando em Sustentabilidade pela FGV-EAESP com pesquisas no campo de Finanças para a Conservação.

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