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O papel dos FIDCs na securitização de ativos públicos no Brasil

Publicado 11.09.2024, 10:30

A securitização de ativos públicos tem ganhado destaque como uma ferramenta financeira no Brasil, especialmente em um contexto de crise fiscal e necessidade de novas formas de financiamento. 

Nos últimos anos, uma aplicação específica dos FIDCs que vem crescendo em importância é sua utilização para a securitização de ativos públicos, como as dívidas ativas de Estados e Municípios. Neste artigo, quero conversar com vocês sobre o papel dos FIDCs na securitização de ativos públicos, os benefícios dessa prática e os desafios que ela apresenta.

FIDC na securitização de ativos públicos

Os FIDCs são fundos constituídos para a aquisição de direitos creditórios, que podem incluir uma variedade de recebíveis, como duplicatas, contratos de aluguel, cheques e até dívidas tributárias. No contexto dos ativos públicos, os FIDCs podem ser utilizados para securitizar dívidas ativas de Estados e Municípios — valores devidos ao poder público que estão em fase de cobrança administrativa ou judicial.

A securitização de dívidas ativas por meio de FIDCs envolve a transferência desses créditos a um fundo, que emite cotas vendidas a investidores. O dinheiro obtido com a venda das cotas é repassado ao ente público de forma antecipada, permitindo que ele obtenha liquidez imediata, ao invés de esperar pelo pagamento das dívidas ao longo de muitos anos.

Esse arranjo possibilita que os governos estaduais e municipais antecipem receitas futuras, ajudando a enfrentar crises financeiras de curto prazo ou a realizar investimentos estratégicos.

Benefícios da securitização de ativos públicos via FIDC

A utilização dos FIDCs para securitizar ativos públicos traz uma série de vantagens tanto para o ente público quanto para os investidores. Abaixo estão alguns dos principais benefícios dessa prática:

  1. Liquidez imediata para os governos: A securitização permite que entes públicos transformem suas dívidas ativas em dinheiro disponível no presente, aumentando a capacidade de investimento e alívio financeiro. Isso é particularmente importante em momentos de crise fiscal, quando há necessidade de caixa para pagar despesas correntes ou realizar investimentos.

  2. Eficiência na gestão da dívida pública: Com a securitização, o ente público transfere os riscos e custos da cobrança da dívida ativa para o mercado. Isso pode resultar em uma maior eficiência na recuperação de créditos, pois os fundos de investimento são geralmente mais especializados e motivados para cobrar dívidas de forma eficaz.

  3. Atração de investidores privados: Os FIDCs permitem que investidores privados participem do financiamento público de maneira estruturada e segura. Como as cotas dos fundos são lastreadas em ativos reais (as dívidas ativas), elas podem oferecer retornos atrativos com um risco relativamente calculado, dependendo da qualidade dos créditos subjacentes.

Desafios e riscos da securitização de ativos públicos

Apesar dos benefícios, a securitização de dívidas ativas por meio de FIDCs também apresenta desafios e riscos que devem ser considerados:

  1. Impacto intergeracional da dívida: Um dos principais riscos associados à securitização de ativos públicos é o impacto intergeracional. Ao antecipar receitas futuras, o ente público está essencialmente transferindo para gerações futuras o custo de uma arrecadação presente. Isso pode ser visto como uma forma de endividamento que, se não for gerida com responsabilidade, pode comprometer a saúde fiscal de longo prazo do estado ou município.

  2. Desafios legais e regulatórios: A legislação brasileira ainda está em desenvolvimento em relação a vários aspectos da securitização de ativos públicos. O Projeto de Lei Complementar nº 459/2017, por exemplo, visa regular essas operações, mas enfrenta resistência e questionamentos quanto à sua interpretação e à possibilidade de se confundir com operações de crédito, sujeitas a limites constitucionais.

  3. Risco de descasamento financeiro: A securitização depende do fluxo de pagamentos das dívidas ativas. Se houver uma discrepância significativa entre os prazos de recebimento dos créditos e o pagamento das cotas aos investidores, pode ocorrer um descasamento financeiro que impacta negativamente o fundo. Além disso, fatores externos, como crises econômicas ou mudanças nas políticas fiscais, podem afetar a capacidade dos devedores de cumprir suas obrigações, elevando o risco de inadimplência.

Casos Práticos e Exemplos

Estados como São Paulo e Rio de Janeiro foram pioneiros no uso de FIDCs para securitizar suas dívidas ativas. No caso do estado de São Paulo, a operação envolveu a transferência de créditos tributários para um fundo que, em seguida, emitiu cotas no mercado. Esse modelo permitiu ao estado obter recursos imediatos, que foram aplicados em investimentos prioritários, ajudando a equilibrar as contas públicas em um momento de restrição fiscal.

No entanto, essas operações também enfrentaram críticas e desafios judiciais, especialmente no que diz respeito ao entendimento sobre a natureza jurídica da transação — se era uma alienação de ativos ou uma operação de crédito, o que poderia estar em desacordo com os limites de endividamento impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Pelo exposto, entendo que os FIDCs desempenham um papel crucial na securitização de ativos públicos no Brasil, oferecendo uma ferramenta inovadora para melhorar a liquidez dos entes públicos e incentivar o investimento privado. No entanto, é fundamental que essas operações sejam conduzidas com transparência, responsabilidade fiscal e respeito ao arcabouço legal vigente, para evitar riscos financeiros e impactos negativos para gerações futuras.

Com o avanço da regulação e uma maior compreensão dos benefícios e riscos envolvidos, os FIDCs têm o potencial de se consolidar como uma solução eficaz para os desafios fiscais enfrentados pelos governos estaduais e municipais no Brasil.

*Fonte consultadas:

1. CARVALHO, Vinícius Bianchi; MASSONETTO, Luís Fernando. Securitização de ativos públicos: estrutura, natureza jurídica e impacto intergeracional. Documento não publicado, 2023.

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