O agronegócio tem um papel importante para o país, representando, em média, 20% do PIB. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), somos o maior exportador mundial de carne bovina, com cerca de 25% do comércio internacional, e no Cerrado são produzidos 15% de toda a soja consumida no mundo. E a demanda por alimentos é crescente. Estudos apontam que o consumo global de carne deve crescer 35% até 2040 e, de soja, 26% até 2029.
Pela enorme importância dessas cadeias, o agronegócio precisa considerar tendências de longo prazo: os mercados compradores se preocupam cada vez mais com o desmatamento e com as emissões de carbono associadas às suas compras internacionais. Além disso, estudos científicos sobre o Cerrado e a Amazônia deixam claro que o desmatamento tem impacto negativo sobre a produtividade.
Infelizmente, não há varinha mágica. A questão do desmatamento associado à produção de commodities – carne e soja, neste caso específico – é complexa e envolve múltiplos atores, tanto no Brasil quanto no exterior. A solução para um problema desta magnitude não pode ignorar nenhum de seus aspectos, por isso, identificar os desafios é o primeiro passo na busca de alternativas.
Hoje, 23% das emissões globais de gases de efeito estufa são associadas à agricultura, à floresta e a outros usos da terra (AFOLU, na sigla em inglês). No Brasil, as principais cadeias ligadas ao desmatamento no Cerrado e na Amazônia são soja e pecuária. Neste contexto, vale lembrar que o Cerrado, embora menos protegido e com menor apelo que a Amazônia, é reconhecido por sua importância biológica e pela estocagem de carbono no solo, cumprindo também um relevante papel no abastecimento hídrico e urbano nacional.
No Brasil, a pecuária é, em geral, a primeira atividade produtiva implementada após o desmatamento. Desta forma, 93% do desmatamento na Amazônia e 70% no Cerrado podem ser atribuídos a essa atividade. No caso da soja, o desmatamento concentra-se no Cerrado, visto que, desde 2006, vigora na Amazônia a Moratória da Soja – acordo que proíbe a compra de soja originada no bioma, caso o desmatamento tenha ocorrido após 2008*, desincentivando o desmatamento. A boa notícia é que, tradicionalmente, 70% da expansão da soja no Cerrado ocorre sobre áreas já convertidas, não gerando desmatamento adicional.
No caso das duas commodities, sabemos que é possível atender à demanda adicional com aumento de lucratividade e sem abertura de novas áreas. Sistemas comprovados de intensificação sustentável da pecuária podem aumentar a produtividade entre 3 e 5 vezes, com retornos sobre investimentos da ordem de 10%, sem qualquer tipo de desmatamento. Para a soja, a Embrapa indica que há oportunidade de aumento de produtividade entre 20% e 30%, e a expansão em áreas já abertas e degradadas é uma opção já comprovada.
Diante deste cenário com tantas oportunidades de gerar riqueza para o país e para as empresas envolvidas, contribuindo para a segurança alimentar e para o clima do planeta, o desafio é garantir que essas oportunidades sejam livres de desmatamento. A solução deve incorporar um conjunto de elementos: transparência e monitoramento; acesso a mercados; soluções jurisdicionais e inovação financeira.
Embora a solução financeira vá ser sempre apenas uma parte do quebra-cabeças, é uma peça fundamental para alterar o business as usual do setor. Atualmente, a maioria dos financiamentos destinados ao agronegócio é de curto prazo e, embora o retorno financeiro das opções livres de desmatamento seja igual ou maior do que no modelo usual, o período de payback é maior. O que equivale dizer que, embora o produtor tenha um retorno financeiro mais elevado, precisa esperar um tempo maior para que o fluxo de caixa da operação seja positivo, postergando o cronograma de repagamento de empréstimos e/ou o fluxo de dividendos de investidores.
Sendo assim, instituições financeiras e investidores podem exercer um papel extremamente relevante na migração do modelo de produção atual para um modelo livre de desmatamento em maior escala. Instituições comprometidas com a criação de um legado ambiental podem destinar uma parcela de seu portfólio a linhas de longo prazo, com carência e amortização adequados ao fluxo de caixa da atividade, associados ao compromisso formal de não desmatamento, pelo menos durante a vigência do financiamento.
O efeito catalisador das operações financeiras que fomentam o modelo produtivo livre de desmatamento impacta positivamente outros fatores dessa equação:
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promove monitoramento e transparência, o que pode gerar redução de custos e aumento da adoção;
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facilita o acesso da produção livre de desmatamento a novos mercados. Acesso este que, por si só, pode motivar mais produtores a adotarem este modelo produtivo;
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incentiva a incorporação gradual, por investidores e credores, de critérios das linhas especiais aos produtos.
No longo prazo, é possível esperar ainda uma ação coletiva regional para criar zonas de produção livres de desmatamento. Os desafios para a expansão sustentável das cadeias de carne e soja existem, isso é fato. Mas expandir sem degradar, garantindo o alimento, fonte de nossa sobrevivência, é um caminho não só possível, mas o único que trará benefícios no longo prazo para todas as partes interessadas. E as instituições financeiras têm um papel relevante a desempenhar.
*A Moratória da Soja entrou em vigor em julho de 2006, quando a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC) se comprometeram a não comercializar ou financiar a soja produzida em áreas que tivessem sido desmatadas no bioma Amazônia inicialmente a partir da data base de referência fixada em 2006, e posteriormente realocada para 2008.
Anna Lucia Horta é Gerente de Negócios e Investimentos da The Nature Conservancy (TNC)