Petróleo atinge menor nível desde 1999
É inacreditável, mas a vida é mais estranha que a ficção:
Futuro do Petróleo WTI (primeiro vencimento) desde 1990.
O WTI (West Texas Intermediate), acima, é o benchmark americano.
E o gráfico só pega os preços de fechamento. A mínima do contrato futuro de petróleo bateu -40 dólares:
Intraday do futuro do Petróleo WTI (primeiro vencimento) nos últimos 5 dias.
Sim, o petróleo está sendo negociado a preços negativos.
O benchmark europeu, o Brent, se comportou melhor. Mesmo assim, também negocia na menor cotação dos últimos 21 anos:
Futuro do Petróleo Brent (primeiro vencimento) nos últimos 50 dias.
O antes cobiçado "ouro negro" se transformou, rapidamente, em "lixo tóxico". Faz sentido?
A história é longa, mas interessantíssima. Acompanhe comigo, no detalhe, a novela em que se transformou o mercado petrolífero.
Oferta e demanda
Com a quarentena global e forte queda na demanda de petróleo, a Rússia viu uma oportunidade de criar problemas para os produtores do gás de xisto americano.
Os russos se negaram a reduzir sua produção e anunciaram sua saída do cartel da Opep +.
Os sauditas, para defender o interesse americano ou os seus – não sabemos —contra-atacaram, aumentando sua produção ao máximo, investindo para elevar capacidade e vendendo petróleo com desconto diretamente aos clientes russos.
Dois dos maiores produtores mundiais entraram em guerra em um momento de demanda global despencando.
Resultado: preços do petróleo caindo de 60 dólares para 20.
Trump, Opep + e eleições americanas
A queda dos preços do petróleo é ótima para a economia mundial. As pessoas gastam menos com petróleo e mais em outros produtos.
Mas Trump disputa eleições ainda em 2020. E os empregos gerados no shale (xisto) são importantes para sua popularidade.
O presidente americano, como ele mesmo relatou, pegou o telefone e trouxe os sauditas e russos de volta à mesa de negociação.
A Opep concordou em cortar de 10 milhões de barris, mas com início apenas em primeiro de maio.
Mas a queda de demanda pedia cortes maiores (as "previsões" chegam a demanda caindo até 30 milhões de barris/dia).
A produção mundial é de 100 milhões de barris/dia. Os três maiores produtores são Estados Unidos (com 14 milhões), Arábia Saudita (12m) e Rússia (11m).
O Brasil produz pouco mais de 3 milhões. A Petrobras (SA:PETR4) produz 2,8 milhões e a Petrorio (SA:PRIO3) produz 30 mil.
O "super-contango" e a saída da quarentena
Todas as petroleiras irão quebrar com o preço do petróleo a 10 dólares ou menos? Calma, precisamos olhar o quadro completo.
Os sauditas elevaram violentamente sua produção em um período de demanda bastante retraída.
A reação habitual é estocar petróleo – os estoques subiram drasticamente.
E isso já está embutido nos mercados futuros de petróleo:
Contratos futuros de petróleo Brent.
Como a demanda por petróleo no curto prazo é fraca, os preços do petróleo para os próximos vencimentos caíram muito mais do que para os vencimentos mais longos.
É o "super-contango", ou seja, uma forte inclinação na curva dos preços futuros do petróleo:
Curva do futuro do petróleo Brent.
Tudo isso causado pelo mercado financeiro ajudando a bagunçar a economia real.
O USO – o barato sai caro
Fique de fora do USO.
O USO é a maior ETF de petróleo negociada nos Estados Unidos.
Tem 4 bilhões de dólares de valor de mercado. E as pessoas apostando na recuperação do petróleo ajudaram a causar o estrago do "super-contango".
USO (branco), WTI (1o vencimento, laranja) e Brent (1o vencimento, azul).
É importante entender os detalhes. O USO compra os primeiros vencimentos do futuro do petróleo e os vende próximo ao vencimento.
Os investidores da ETF não desejam receber o petróleo físico pelo correio (ou ir buscá-lo em um porto no Golfo do México).
Normalmente, a estratégia funciona. Mas, dado o estado disfuncional do mercado de petróleo, as vendas próximas ao vencimento ajudaram a afundar os primeiros vencimentos do futuro do petróleo.
Os gestores modificaram a estratégia, comprando futuros mais longos. Mas sempre que o USO usa os contratos, "trava" uma perda.
Ou seja, o USO vende o futuro curto mais barato do que compra o futuro mais longo – reconhecendo uma perda difícil de ser revertida.
Parecia uma ótima oportunidade. Mas, olhando os detalhes operacionais do USO, decidimos ficar de fora.
Fique de fora do USO.
O petróleo nunca mais será o mesmo?
É sempre assim. Quando o mercado sobe, ele subirá para sempre. Quando o mercado cai, ele cairá para sempre.
Em 21 de maio de 2008, com petróleo a 130 dólares, a Goldman Sachs ficou famosa por soltar um relatório que "previa" petróleo a 200 dólares.
A máxima foi de 140 dólares antes de sucumbir para 40 na crise do subprime.
Futuro do Petróleo WTI (primeiro vencimento) entre 2008 e 2009
Inclusive, na ótima apresentação do fundo Verde, fica claro como o pessimismo do mercado polui sua capacidade de previsão.
O gráfico mostra como, no meio do furacão, as previsões do mercado para o futuro perdem a aderência à realidade.
A mesmíssima coisa acontece com o petróleo hoje.
Não acredite em previsões.
Oferta e demanda de longo prazo
O que falta nas previsões catastróficas atuais para o petróleo é a consciência de que petróleo barato causa dois efeitos:
- Aumento da demanda a longo prazo
- Redução da oferta a longo prazo
Ele mais barato aumenta as vendas dos SUVs enormes nos Estados Unidos e tira do mercado muitos produtores com custo de produção elevado.
O número de plataformas de petróleo e gás operando nos Estados Unidos já caiu de mais de 1.000, no início de 2019, para os atuais 529:
Baker Hughes contagem total de plataformas.
A oferta está caindo rapidamente. E a demanda?
Com quase 50 por cento do mundo em algum tipo de quarentena, imaginamos que a demanda de curto prazo está bastante reduzida.
Mas os países europeus mais impactados pelo novo coronavírus (Itália, Espanha e França) começam a sair de suas quarentenas.
Os Estados Unidos anunciaram, recentemente, o "Open America Again", seu plano para reabrir sua economia.
O Brasil está divulgando planos para reabrir sua economia.
A normalização
A demanda há de ser normalizada.
Vamos levar um tempo até retirar do mercado todo o excedente de petróleo que Arábia Saudita e Rússia despejaram nas últimas semanas.
O mercado já entende isso, vemos claramente nos preços já próximos a 30 dólares para o Brent em setembro e outubro de 2020.
O super-contango já reflete a volta à "normalidade".
Esperamos que o retorno da demanda ajude o mercado a encontrar, novamente, um nível mais adequado.
Se não encontrar, Trump e Opep + já anunciaram que podem voltar a intervir no mercado — reduzindo produção, comprando estoques ou ajudando o shale americano.
Muito está em jogo aqui.
O fundo soberano saudita até aproveitou para comprar 1 bilhão de dólares em ações das maiores petroleiras globais.
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