O auditório estava cheio para o Painel do dia: "Bolha Imobiliária no Brasil". 3 renomados especialistas se ajeitavam na bancada principal para o debate. O mediador relia suas anotações num canto. Mais meia hora, as perguntas começaram. E, para surpresa dos presentes, o mediador, já no início, é direto ao fazer a mesma pergunta para os 3 especialistas:
João da Silva, o primeiro, havia obtido o Mestrado, o Doutorado e o Pós-doutorado numa renomada Universidade Americana do Nordeste.
"Existe Bolha Imobiliária no Brasil?", pergunta o mediador jornalista.
João da Silva: "Não.....não há a menor chance.....no Brasil há uma enorme demanda reprimida.....muita gente busca sua tão sonhada casa própria....essa demanda nunca acabará....."
Chico dos Santos, o segundo especialista, também havia obtido o Mestrado, o Doutorado e o Pós-doutorado numa renomada Universidade Americana, no entanto, diferente de João, a Universidade em questão era do Meio-Oeste
"Existe Bolha Imobiliária no Brasil?", pergunta o mediador jornalista.
Chico dos Santos: ""Não.....não há a menor chance.....no Brasil há um enorme déficit habitacional reprimido.....muita gente busca sua tão sonhada casa própria....esse déficit precisa ser preenchido."
Zé Alfredo era o terceiro especialista da bancada.Havia obtido o Mestrado, o Doutorado e o Pós-doutorado numa renomada Universidade Européia.
E o mediador repetiu a pergunta:
"Existe Bolha Imobiliária no Brasil?"
Zé Alfredo: "Não.....não há a menor chance.....O Brasil não tem as mesmas caracteristicas do mercado americano, onde tivemos em 2008 um estouro da Bolha Imobiliária. Nos Estados Unidos havia um "empacotamento de títulos lastreados em hipotecas de alto risco", particularidade que não existe no Brasil. No Brasil, os bancos são seletivos,não empacotaram nada; portanto, não há risco como houve nos EUA."
A cena acima é fictícia, mas a vivenciamos nos últimos 3-4 anos várias vezes. Vários foram os artigos e apresentações com as direções e conteúdos acima; as diferenças apenas eram de semântica, posição das palavras, adjetivos , substantivos e advérbios.
Todo o raciocínio sobre Bolha Imobiliária no Brasil resumiu-se, nos últimos 3-4 anos, ao cenário acima; ao que eu passo a chamar de "Modelo da Bolha Imobiliária"...ou,como queiram, "Modelo da Não-Bolha Imobiliária".
É um modelinho....
O que é um modelo ou teoria?
Nada mais é do que um conjunto de variáveis que explica e formata um determinado objeto ou evento.
Ou seja.......os especialistas colocaram para os brasileiros, os pobres mortais que não têm Mestrado , Doutorado e Pós-Doutorado, um modelinho que explica o porquê do Brasil não ter uma Bolha Imobiliária.
Não há Bolha Imobiliária porque há demanda reprimida e não empacotamos nenhum título lastreado em hipotecas de alto risco.
Simples......
Ora, isso é uma agressão intelectual.
É uma agressão intelectual à medida que fere e reduz o rigor científico e suas vertentes a meras abstrações rasas .
O modelo que construíram os especialistas não apresenta o mínimo de rigor científico, não apresenta o mínimo de resistência empírica.
Modelos, por essência, devem resistir a experimentos, a testes, ao longo do tempo, para se sustentar a ponto de serem espelhos de algo consistente, servindo, por conseguinte, a parâmetros para novas e posteriores análises, pesquisas e retestes.
O modelo que os especialistas construíram para explicar a Bolha Imobiliária no Brasil e sua "veracidade" é carregado de zero, eu disse, "zero rigor científico"; basta uma série de "pauladas" no Modelinho que ele "explode", vira pó. É frágil como um dominó; basta um empurrãozinnho, e "adeus".
Eu poderia ir mais além na Filosofia da Ciência, ao trazer à tona a "Teoria da Falibilidade" ou "Teoria da Falseabilidade" de Karl Popper.
O próprio rigor científico não existe; toda teoria ou modelo científico é "falseável" segundo Popper. Intrinsicamente, todo modelo é falseável.......
Não vamos nos aprofundar, mas tal inserção tem o propósito de escancarar o quão é perigoso deixarmos que os argumentos acima tomem conta do delicado tema da "Bolha Imobiliária no Brasil".
Isto é, se, intrinsicamente o rigor científico é frágil, dada sua falseabilidade, imagine quando o deixamos de lado.
E os especialistas o deixaram de lado.
A semana que passou trouxe novas variáveis e dados ao atual cenário do financiamento imobiliário no Brasil.
A Caixa Econômica Federal decidiu aumentar a parcela de entrada para os seus financiamentos imobiliários no segmento de usados com recursos da Poupança; agora, a entrada para o financiamento de imóveis usados acima de R$ 750 mil será de 60%, enquanto que, para o financiamento de imóveis abaixo de R$ 750 mil, a entrada será de 50%.
E, agora?
Será que o modelinho criado pelos especialistas caberá nessa nova "arrumação de financiamentos"?
Será que há demanda reprimida para imóveis com entradas de 50% ou 60%?
O modelinho tem de ser bombardeado por uma série de variáveis pra se manter de pé. Os especialistas colocaram 2,3 variáveis no modelinho para explicar que não há Bolha Imobiliária no Brasil e esperam que o modelinho, o "sistema", permaneça fechado para todo o sempre. Ignoram que não há sistema fechado, não há "modelo fechado".
Mais vale a aula de Filosofia da Ciência que o Ex-Ministro da Fazenda e Planejamento Delfim Netto nos dá ao longo do livro "Conversas com Economistas Brasileiros", da Editora 34, Edição de 1996:
"Como instrumento de retórica não, como instrumento de intimidação. Porque o sujeito que se deixa aprisionar por uma fórmula é um idiota. A fórmula só pode pôr para fora o que você colocou lá dentro. Isso é a coisa mais elementar do mundo. Então o sujeito que vem construir um modelo de equilíbrio geral no espaço de Banach é um banana, e quem aceita isso é mais banana do que ele! Estamos dando, na verdade, para o pessoal que gosta de Matemática e estuda Matemática, um campo maravilhoso para produzir exercícios interessantes. Mas a Economia não é isso, ou então a Economia não é nada (pág.99).
E hoje, o computador é um instrumento poderoso e corruptor. Ele permite a mineração, quer dizer, eu pego um monte de dados, jogo naquela porcaria, faço regressão de tudo quanto é tipo, aplico log, sai raiz quadrada, pego o seno do produto e multiplico, até encontrar um troço que explica. Aí posso construir uma teoria que acaba explicando realmente o nível de preços dos alimentos pelo arco-seno do preço (risos) (págs 101 e 102).
A iniciativa da Caixa Econômica Federal na semana que passou vai instabilizar o "modelinho", o "sistema" da "Bolha Imobiliária no Brasil".
Outras variáveis já estão bombardeando o "tal modelinho" dos especialistas...a alta recorrente dos juros no Brasil é mais uma dessas .......a queda do PIB é outra.
Aliás,falando de Rigor Científico, seria interessante que esses especialistas tivessem acesso a um simples paper de pesquisa produzido pelo BIS (Banco de Compensações Internacionais) de setembro de 2002.
O paper em questão tinha como objetivo avaliar o impacto de certas variáveis nos preços dos imóveis em 6 países-regiões, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Irlanda, Países Baixos e Austrália, no período de 1995 a 2001.
As variáveis em questão se resumiam a 3: Crescimento do PIB, Movimento das Taxas de juros e Crescimento do mercado de ações.
Em resumo, o paper atribui o aumento dos preços dos imóveis ao crescimento do PIB, aumento dos índices acionários e queda nas taxas de juros, variando o grau apenas de região para região.
Estamos falando de um simples paper, mas com um mínimo de rigor científico e tabulação de dados num intervalo de tempo minimamente razoável.
O texto exato do paper vai abaixo:
"This special feature examines the extent to which house price fluctuations in six advanced economies – the United States, the United Kingdom, Canada, Ireland, the Netherlands and Australia – can be attributed to fluctuations in national incomes, interest rates and stock price"
O modelo atual, aquele que sustentou a defesa de que não há Bolha Imobiliária no Brasil se esfarela rapidamente.
E o bombardeio de variáveis apenas começou.......
A propósito, sou apaixonado por aqueles apartamentos na Vila Nova Conceição, em São Paulo, de frente para o Parque do Ibirapuera.
Mas, sabe como é......dinheiro tá curto, economia tá fraca........queria dar apenas 0,1% de entrada e financiar 99,9%, com prestações de R$ 100,00.
Quer dizer,,,,,,,,pra essa condição, existe uma enorme demanda reprimida no Brasil....acho que mais da metade do Brasil quer morar lá.
Ok...ok....sei que o preço vai subir.......mas demanda reprimida é tudo o que o vendedor quer, não é mesmo?
Então me vendam, e vendam a mais da metade do Brasil, com essas condições; 0,01% de entrada e parcelas de R$ 100,00......não importa o número de parcelas.......
Aproveitem e passem a construir na África também....muita demanda reprimida.....
Ah....mas não tem renda? O continente é pobre?
E, quem disse que o Brasil é rico e tem renda pra comprar um apartamento de 50 m2 por R$ 500 mil?
Exportem o modelo de 0,1%% de entrada om parcelas de R$ 100,00 para os africanos.
Vamos recorrer novamente a um dos mais brilhantes intelectuais do Brasil, o economista Delfim Netto:
"Transformaram a Economia em um ramo bastardo da Matemática. O sujeito nem é matemático e nem é economista, porque perdeu toda a intuição
Como instrumento de retórica, funciona? Como instrumento de retórica não, como instrumento de intimidação. Porque o sujeito que se deixa aprisionar por uma fórmula é um idiota. A fórmula só pode pôr para fora o que você colocou lá dentro. Isso é a coisa mais elementar do mundo. Então o sujeito que vem construir um modelo de equilíbrio geral no espaço de Banach é um banana, e quem aceita isso é mais banana do que ele!"
"Conversas com Economistas Brasileiros", da Editora 34, Edição de 1996, pág 99.