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O mercado financeiro e o sonho da Mega-Sena da Virada

Publicado 24.03.2023, 10:05
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Todo final de ano é a mesma coisa, milhares de pessoas lotam as filas das loterias pelo Brasil. O sonho de se tornar um mega milionário seduz o imaginário. Os volumes arrecadados pela Caixa Econômica Federal são de espantar. No ano passado, o valor total das apostas da Mega da Virada atingiu R$ 541,9 bilhões, uma soma impressionante que se dividirmos pela população brasileira, 212 milhões de pessoas, equivaleria a média de R$ 2.550,00 de aposta por cada brasileiro. 

Por outro lado, a probabilidade de se ganhar na mega-sena com uma aposta mínima de 6 números é de 1 em 50 milhões. Com 7 números, 1 em 7 milhões e com 8 números, 1 em quase 2 milhões. O sonho de se acordar multimilionário é remoto, para apenas grandes sortudos, mas continuam atraindo milhões de pessoas para as portas das casas lotéricas todo ano, especialmente na virada do ano. 

Um fenômeno parecido é observado no mercado financeiro. O sonho de se tornar rico do dia para noite atrai milhares de pessoas em busca do “bilhete de loteria”. Sempre é a mesma história, uma empresa com péssimos números, que a diretoria aposta na reviravolta. Em inglês, o mercado financeiro chama esse tipo de empresa de turnaround. Essas empresas viram alvo de blogs, vídeos nas redes sociais e recomendação de casas de análise. Quanto mais barata e em pior condição financeira a ação se encontrar, mais CPFs deverá atrair no mercado. 

Nas últimas semanas uma empresa de telefonia conhecida protocolou pela segunda vez o seu pedido de recuperação judicial, dessa vez, o pedido foi feito nos Estados Unidos. Mal das pernas há alguns anos e prejuízos, as decisões da diretoria sempre foram questionáveis, como por exemplo: entrar em telefonia de rua e em telefonia fixa. A dívida já foi reestruturada algumas vezes e hoje a empresa tem patrimônio líquido negativo, devendo mais de 20 bilhões e deve fechar 2022 com um prejuízo da ordem de R$ 3 bilhões. Tudo isso faz parte do capitalismo, empresas vão e vem, quebram e prosperam, mas mesmo assim, atrai a atenção de novos investidores. 

Hoje a empresa possui impressionantes 1.354.834 investidores pessoas físicas e ainda, 213.002 pessoas jurídicas no seu quadro de sócios, dados da B3 (BVMF:B3SA3). O número de CPFs cadastrados na bolsa brasileira passou de 5 milhões de CPFs, isso quer dizer que 25% dos investidores da B3 investem na companhia, possuindo ao menos uma ação da empresa. Um dado muito alarmante e preocupante. 

No mês de janeiro, o Brasil ficou em choque com a fraude contábil da Americanas (BVMF:AMER3), empresa listada em bolsa e controlada pelo trio de acionistas de referência da 3G Capital. A sua dívida com fornecedores estava escondida em seu balanço e a empresa provisionou do dia para à noite esse débito em seu balanço, sua dívida saiu de algo como R$ 20 Bilhões para R$ 47 Bilhões, levando a empresa solicitar proteção contra credores e um pedido de recuperação judicial. Analisando os números da companhia, sem mesmo colocar no balanço o efeito da fraude contábil, temos uma empresa que não gera valor para os acionistas há décadas, não dá lucro e vive em um setor complicadíssimo. 

Logo após o pedido de recuperação judicial ser protocolado, o volume financeiro negociado pela ação da empresa subiu muito, chegando a ser negociado mais de R$ 700 milhões em um único dia. Mais uma vez, os maiores compradores foram as pessoas físicas. Hoje a base acionária da Lojas Americanas já conta com quase 150 mil investidores pessoas físicas. Os exemplos não param por aí, empresas em situações complicadas ainda atraem os pequenos investidores como bilhetes de loteria. Por fim, vale um último exemplo, umas das principais empresas de comércio varejista, hoje conta com um quadro acionário de 450 mil investidores e anda muito mal das pernas há uma década. 

Poderia passar uma ficha corrida de várias empresas que destroem valor, mas que são amadas pelo pessoa física na B3. O resultado disso tudo já sabemos, desilusão, perdas financeiras e o uso errado do mercado de capitais. 

O sistema financeiro no mundo não incentiva o investimento, mas sim a especulação. As corretoras e bancos são remuneradas pelo giro financeiro das carteiras, a B3 pelos emolumentos e o governo pelos impostos. O sistema irá induzir o giro, a especulação e a alavancagem. Poucos encaram o mercado como veículo de formação de patrimônio, e é isso que precisamos trabalhar mais com os novos investidores. A mentalidade deveria ser de longo prazo e as empresas investidas deveriam ter lucros consistentes ao longo dos anos, com margens altas e por bons preços. A mentalidade no mundo é outra, reina a especulação, o giro e a alavancagem. 

Warren Buffett certa vez sugeriu à SEC (espécie de CVM americana) que um investidor iniciante só deveria investir em ações depois de um curso de contabilidade, com visão de investimento e não de especulação. Infelizmente essa sugestão não foi acatada. No Brasil, nem matemática financeira, tão pouco planejamento financeiro são matérias para as escolas e faculdades. O resultado se observa no resultado das carteiras dos investidores, na poupança e nas decisões de investimentos. Precisamos dar mais atenção para os novos investidores e dar suporte de conhecimento para eles.

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