De tempos em tempos, o mercado financeiro acaba ficando inundado de tanta liquidez jorrada pelos bancos centrais e mergulha em uma correção nos preços dos ativos, com os investidores se fartando dos estímulos monetários sem precedentes que, em alguns momentos, cobram a conta pelo ávido apetite por risco, produzindo relações frágeis e fugazes - como os líquidos. Ontem foi um pouco assim.
O Ibovespa voltou a perder a faixa dos 100 mil pontos, a qual vem orbitando há dois meses e fechou no nível mais baixo desde meados de julho, enquanto Wall Street cravou a quarta queda em cinco sessões. Nesta manhã, porém, os índices futuros das bolsas de Nova York estão em alta, indicando um dia de recuperação, após o novo golpe nas techs.
A ver se esse fôlego de alta se sustenta ao longo do pregão. As principais bolsas europeias amanheceram sem rumo definido, apesar da sessão de ganhos na Ásia, com os investidores buscando uma direção em meio ao novo impasse sobre o Brexit. Já o petróleo oscila em baixa, enquanto o dólar volta a perder terreno em relação às demais moedas.
Por mais que seja difícil acertar o timing em que se dá uma correção mais intensa nos ativos, não é de hoje que se tem alertado que quanto maior o descompasso entre o mercado financeiro e a economia real, mais insustentável torna-se o movimento, pois a velocidade de recuperação da atividade segue lenta e desigual entre países e setores.
E daí que os sinais dúbios referentes à recuperação da economia global resgatam essa percepção de realidade, muitas vezes distorcida pela ampla liquidez. Mas à medida que vão chegando ao fim os pacotes fiscais lançados por governos e as incertezas sobre a pandemia de coronavírus se avolumam, fica mais arriscado “surfar” nesta onda artificial.
Com isso, as ações globais caminham para a primeira queda semanal desde março, após uma alta que adicionou US$ 7 trilhões em valor de mercado em Wall Street. Enquanto isso, a pandemia atinge 28 milhões de casos no mundo e continua afetando a economia global, revivendo os temores de uma segunda onda no inverno (no hemisfério norte).
A fonte secou?
Ainda que a fonte dos bancos centrais não tenha secado, o preço dos ativos precisa encontrar algum respaldo na realidade econômica. Do contrário, os mercados ficam sujeitos a movimentos mais abruptos e altamente voláteis, como se tem visto recentemente, pois a liquidez não é capaz de resolver os danos econômicos causados pelo contágio da covid-19.
Ao contrário, a continuidade da valorização dos ativos acaba criando novos problemas, como tem sido o caso do dólar no Brasil. A alta da moeda norte-americana tem pressionado os preços de commodities agrícolas no atacado, emitindo sinais de inflação represada ao consumidor em um momento em que as pessoas se mostram dispostas em gastar.
E isso começa a assustar o mercado doméstico. O presidente Jair Bolsonaro também demonstrou preocupação. Durante a tradicional live de quinta-feira, ele admitiu estar de olho no dólar e disse manter conversas com ministros e com o presidente do Banco Central sobre o que “o governo pode fazer legalmente” para o dólar “não subir tanto”.
A resposta da autoridade monetária deve vir na semana que vem, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para decidir sobre a taxa básica de juros. Em meio aos sinais de acúmulo de pressão inflacionária, de recuperação da atividade e de um abismo fiscal em 2021, o BC deve, enfim, encerrar o ciclo de cortes da Selic, mantendo-a no piso histórico de 2%.
Ainda assim, a taxa de juros real no Brasil (taxa nominal descontada a inflação) deve seguir negativa, seja pela inflação corrente ou pela projetada no período à frente. E isso significa que o rendimento da renda fixa deve seguir baixo, mantendo a atratividade da renda variável - com proteção (hedge) em dólar. Persiste, então, o círculo vicioso.