Com a escalada da segunda onda do coronavírus e a aproximação das eleições, cresceu a pressão política por mais gastos do governo.
A PEC emergencial, recém-aprovada, visava oferecer contrapartidas de corte de gastos para abrir espaço para novos auxílios. Ela foi muito bem recebida pelo mercado, que ficou na esperança de uma manutenção da responsabilidade fiscal depois do aumento de gastos nunca antes visto na história brasileira.
Mas semana passada tudo mudou! Foi aprovado, no Congresso, o orçamento para 2021. O mercado classificou o orçamento como uma "peça de ficção". Ele nasceu propositalmente para não ser cumprido, e vou explicar aqui o motivo.
Segundo a regra do teto de gastos, se a despesa obrigatória for acima de 95 por cento dos gastos primários, os gatilhos são automaticamente acionados para permitir a redução dos gastos. Itens como impedir reajuste salarial, impedir novas contratações, entre outros, ajudam a equilibrar novamente as contas. Porém, tem um pulo do gato aí: se as despesas obrigatórias são orçadas a menos de 95 por cento e, durante o ano, esses gastos acabam sendo maiores, aí os gatilhos não são acionados.
Resumo: os parlamentares fizeram um orçamento irreal, no qual as despesas são muito menores do que o necessário, e certamente vão estourar o orçamento, mas isso tudo sem acionar os gatilhos de compensação. É o plano perfeito para burlar o teto de gastos.
No lugar dos gastos obrigatórios, adivinhem? Emendas parlamentares, minha gente.
Assim é difícil confiar
Não por outro motivo, os juros longos não param de subir no nosso país. Uma vez me perguntaram: "Mas Marilia, esses gastos são importantes! É uma questão social!". Sim, temos uma questão social de suma importância. Essa pandemia está causando o impensável: pessoas simplesmente não podem ir trabalhar.
O grande problema é que somos um país que constantemente gasta mais do que arrecada. Assim, para que nossa máquina funcione, precisamos ter dinheiro para pagar nossas dívidas, além de ter credibilidade para rolar nossas dívidas.
Se não tivermos isso, o Brasil acabou.
Os investidores, como eu e você, começam a achar que o governo perdeu a condição de arcar com sua dívida, e vendem seus títulos públicos. Com uma pressão vendedora, as taxas de juros sobem.
O aumento das taxas exigidas pelos investidores acaba aumentando os gastos do governo com pagamento de juros, entrando isso no lugar de outros gastos como saúde, educação, dentre outros.
Os investidores também correm para mandar seus recursos para fora do Brasil, causando uma depreciação da moeda. Essa depreciação aumenta a inflação, que aumenta a necessidade de juros ainda maiores. Até o dia que essa taxa fica tão alta que a dívida se torna impagável.
Ou seja, por mais que a situação realmente seja delicada, não temos a opção de sermos irresponsáveis para pagar auxílio. A irresponsabilidade fiscal terminará por quebrar o país por completo. Temos, sim, que direcionar programas de auxílio, mas sempre retirando de algum outro lugar. Para que não entremos no círculo vicioso da dominância fiscal.
Vamos lembrar que, em 2015 e 2016, os juros longos brasileiros chegaram à taxa de 17 por cento. Imagine essa taxa hoje em dia, que nossa dívida bruta é de 90 por cento do PIB!
Agora, o mercado está digerindo esse orçamento e pressionando o governo com alta nas taxas de juros e desvalorização cambial. O governo parece que entendeu, e notícias de jornal apontam para as opções que eles teriam para desfazer esse absurdo. Alguns parlamentares já foram ao TCU pedir crime de responsabilidade.
Acho que eventualmente eles vão conseguir consertar, mas no momento que isso acontecer, os preços já estarão em outros patamares. A âncora fiscal é TUDO! É a única alternativa viável de estabilidade econômica. Enquanto ainda questionarmos essa máxima como sociedade, correremos sempre o risco de quebrar.
Quanto a você, investidor, segure os cintos! Quanto mais nos aproximarmos das eleições, mais medo eu tenho, e mais volatilidade virá por aí. Já falei isso mil vezes, mas não me canso de repetir: agora não é hora de ser herói.
Seja mais conservador do que o habitual. Escolha bem seus investimentos. Tenha boas empresas que vão sobreviver. Não é a hora de tentar ganhar 1 milhão investindo mil. É a hora de não perder os mil.
O momento é delicado.