Quando houve o hard fork entre Bitcoin e Bitcoin Cash houve acusações entre os grupos responsáveis por ambas as moedas. Uma das acusações mais fortes acerca do Bitcoin Cash é que sua estrutura traria maior centralização. Conforme já descrevi aqui nesse espaço, há motivos dados pela teoria econômica para não acreditar nessa afirmação, assim como na afirmação que placas ASIC reduzem a descentralização de uma criptomoeda qualquer. Entretanto, essa afirmação continua sendo fortemente ecoada pela comunidade em geral.
A origem do debate se deu pelo papel dos mineradores no hard fork entre Bitcoin e Bitcoin Cash. Os desenvolvedores do Bitcoin enfatizavam a solução SegWit, que não aumentaria o bloco, porém dobraria sua capacidade. Os mineradores e alguns desenvolvedores acreditavam que essa solução não era satisfatória – o equivalente a 2MB de bloco ainda era insuficiente – e defendiam o aumento do tamanho dos blocos. A relação dos mineradores com a, na época, solução chamada “Bitcoin Unlimited” era forte: eles não desejavam que soluções que potencialmente reduzissem seus ganhos com transações, como a Lightning Network (que faz transações sem remunerar os mineradores).
No entanto, a Bitcoin Unlimited, que permitia tamanhos de bloco maiores que 1MB (limite do Bitcoin), teve problemas enquanto era uma proposta viável, muito por erros em seus códigos. Um ataque derrubou mais da metade dos nodes que a suportavam. Quando os nodes retornaram, grande parcela foi quase simultaneamente, conforme documentado nesse texto. Isso levou a argumentos dos partidários da SegWit que haveria grande concentração numa moeda baseada no maior tamanho de bloco. Essa afirmação ecoa até hoje. Além do mais, diz-se que o tamanho dos blocos tornaria inviável a pessoas comuns rodarem full nodes.
Quando Satoshi impôs um limite ao tamanho do bloco foi para evitar que spams com blocos grandes congestionassem a rede ou forçassem um fork. A presença do limite era prevista para ser revogada ou aumentada. Naquela época, já não havia placas ASIC e demais ferramentas que criam barreiras de entrada para a mineração de Bitcoins; ou seja, o custo de armazenamento da blockchain e de um full node eram bem mais relevantes porque seriam em si uma barreira.
Mesmo hoje, a base para um full node do Bitcoin Cash não é tão inacessível quanto poderiam imaginar. Joannes Vermorel, um cientista da computação que participou da importante conferência “Satoshi’s Vision”, estudou brevemente a viabilidade técnica de blocos de tamanhos gigantescos (terabytes) e verificou que ainda haveria potencial de uso. Com um HD de 400 dólares – 12TB – é possível armazenar a blockchain composta por blocos de 32MB por alguns anos, o que não impõe muitas restrições aos mineradores.
Portanto, creio que o aumento do tamanho do bloco não será problema. Entretanto, ele também não resolve muitas coisas: as fees do Bitcoin Cash já são baixas. Não havia necessidade particular para esse aumento, porém ele é parte de um pacote inteiro de inovações que são de interesse para investidores. Esse primeiro texto sobre o hard fork foi para contextualizar o espírito do Bitcoin Cash a luz do, em tese, pretendido por Satoshi Nakamoto sobre tamanho de blocos. Em breve, haverá um texto para explicar as melhorias técnicas desse criptoativo que serão implementadas no fork.