O mercado é constantemente feito de dilemas. Incertezas levam a discussões sobre níveis apropriados de preços ante cenários que podem evoluir de forma muito difusa a depender da confirmação (ou refutação) de determinados eventos. Ou seja, nosso natural desconhecimento sobre o futuro leva à elaboração de hipóteses com diferentes probabilidades atribuídas. A combinação das hipóteses dos agentes no mercado gera a famosa oscilação nos preços.
Neste sentido, os juros futuros nos EUA mostraram um movimento muito relevante desde a última reunião do Fed (em julho), quando a probabilidade de uma nova alta de 75 pontos base por parte da autoridade monetária foi colocada seriamente sob questão. Principalmente, a perspectiva de que estaríamos próximos de um momento de inflexão da política monetária (o famoso Fed pivot) ganhou grande destaque nas discussões e nos preços.
Durante a semana passada, o mercado financeiro se animou com a indicação de uma inflação mais amena nos EUA. A leitura do CPI, índice de preços ao consumidor, foi abaixo do esperado tanto no dado completo como na abertura subjacente, que exclui os itens mais voláteis da mensuração. Com isso, a narrativa de que o ciclo de aperto monetário poderia ser encerrado antes do esperado e logo revertido ganhou força.
Esta semana, no entanto, vimos a divulgação dos dados das vendas no varejo acima das expectativas, resultando na percepção de que a demanda agregada possa ter mais impulso do que o projetado anteriormente. Isso se soma a um dado de Payroll, indicativo do mercado de trabalho dos EUA, mais forte do que o esperado referente ao mês de julho. A sinalização é, evidentemente, na direção oposta de que estaríamos próximos à recessão. Isso leva, naturalmente, à percepção de mais pressões à frente. Uma economia mais resiliente significa que o Fed terá mais trabalho para controlar a inflação.
Fica claro o dilema do mercado neste momento, tema também explorado nas minutas da última reunião do Fomc. O comitê reconhece pressões inflacionárias, setores de mercado de trabalho aquecido e uma atividade que desacelerou no segundo trimestre. Por outro lado, discute também os riscos associados a um “excesso de aperto da política monetária”, algo relacionado diretamente à defasagem entre a atuação do Banco Central e seu impacto sobre a demanda agregada.
Nosso cenário sugere que a reversão das pressões inflacionárias esteja ocorrendo. Preços de commodities caíram de forma razoável em junho e julho, e isso contribuirá para o arrefecimento do índice nos próximos meses. Outros fatores positivos para atenuação da inflação nos EUA são a normalização da cadeia logística global (ainda que parcialmente) e o fortalecimento do dólar neste ano.
Por outro lado, o mercado de trabalho aquecido e o forte ritmo de aceleração dos salários geram sustentação da demanda à frente, o que dificulta a tarefa da autoridade monetária e dá mais impulso a componentes cíclicos do índice de inflação. Portanto, enquanto a inflação de bens deve arrefecer, a inflação de serviços (muito mais relevante e persistente nos EUA) ganhará sustentação. Assim, mantemos a perspectiva de que o mercado pode ter de reprecificar a alta chance de corte de juros que vê nos EUA já no segundo trimestre do ano que vem.