Uma questão fundamental para todo investidor em criptomoedas é a tecnologia. Se uma criptomoeda não é eficiente e tem a segurança comprometida, dificilmente ela terá valor – até pela falta de credibilidade em reservá-lo – e não será usada. Mesmo as criptomoedas cujo objetivo é ser meio de pagamento ou transmissão de dados não podem ter falhas críticas, posto que isso pode levar a pagamentos duplos ou imprecisão na informação transmitida. Equipes de desenvolvimento precisam permanecer atentas a isso e, de maneira geral, ao passo que buscam inovações, devem procurar manter certos aspectos confiáveis e robustos ao famoso “teste do tempo”.
Um caso interessante desse teste é o desenvolvimento de uma função geradora de hashs. A SHA-3, sucessora da função usada no Bitcoin, foi o resultado de um torneio entre criptógrafos de ponta que durou anos. Mesmo com sua criação, a SHA-2, utilizado no Bitcoin, permaneceu em uso como padrão, posto que ainda não há ataques significativos conhecidos. É preferível usar o SHA-2 ao SHA-3 em algumas aplicações por sua resistência ao tempo, porém é conveniente ter a reserva SHA-3 por robustez. Vemos nesse caso que criptografia é coisa séria e exige muito tempo de desenvolvimento cauteloso.
Por isso mesmo, o IOTA logo numa primeira análise deve despertar um pé atrás. Suas tecnologias todas são muito inovadoras. Blockchain? Não, Tangle: mais rápida, adaptativa e escalável. SHA ou Scrypt como criptografia? Não, Curl, uma solução dos próprios desenvolvedores. Lógica binária como absolutamente quase tudo que opera, bem, sobre máquinas binárias? Não, lógica ternária. Esses são alguns das promessas suspeitas do IOTA. Claro que nada impede a equipe de ser genial e revolucionária – afinal, Satoshi foi –, mas tanta inovação tão rapidamente substituindo vários elementos-chave sem o menor pudor e, segundo alguns mais críticos, rigor?
Naturalmente, havia caroço no angu do IOTA. Em agosto, pesquisadores do MIT encontraram um bug na função hash da criptomoeda. Essa falha possibilitaria um ataque de livro-texto, básico. O bug foi rapidamente corrigido. Uma pausa: não acredito que toda e qualquer falha técnica seja imperdoável, como pode ser visto aqui, mas a história do IOTA fica pior. Em setembro, a pesquisadora-chefe responsável por ter encontrada a falha, fez mais um report crítico indicando que, apesar da falha ter sido corrigida, ainda haveria pontos críticos e problemáticos na moeda. A isso se seguiu um forte período de Fear, Doubt e Uncertainty (FUD) na moeda.
A questão é: todas as inovações da IOTA ainda não foram validadas pelo tempo e ainda há falhas básicas na plataforma. Desde essa crítica pesada da pesquisadora do MIT, inúmeras questões – novamente, por que rodar uma lógica ternária em máquinas binárias, impondo nesse caso perdas por emulação? – ainda não foram resolvidas. Há o desenvolvimento de processadores ternários, mas será que isso não demora e afeta o timing da adoção do IOTA? Por exemplo, sou crítico da Lightning Network por ela reduzir as fees dos mineradores, mas a Raiden Network do Ethereum – se associada a um modelo de emissão monetária constante e Proof-of-Stake, como planejado – não terá esse problema. Extensões dessa rede são potenciais concorrentes sem fees da IOTA e sem dependência de um processador altamente específico.
Não sou um especialista em computação, porém todas as críticas feitas ainda permanecem sem muitas respostas claras para os analistas fundamentais. Há uma falta de comunicação do Core, que é mais defensivo a respeito das críticas que responsivo, com a comunidade que tem dúvidas pertinentes. Digo isso com certo pesar, porque amo propostas ousadas. O IOTA tinha tudo para me ganhar: sua proposta de integração com dados de APIs é realmente boa. O autor do Whitepaper do IOTA, Sergei Popov, é um matemático brilhante e professor da Unicamp. Há boas pessoas envolvidas no projeto e as ideias na criptografia futura – como a descentralização da rede – me parecem plausíveis matematicamente (olhando de supetão, admito). Entretanto, há constantes reclamações sobre questões básicas – por exemplo, a usabilidade da carteira – que afetam fortemente a moeda em termos de preço após o FUD inicial. Temo não poder negar que, desde setembro, o IOTA se tornou um FUD com características de criptomoeda, e não uma criptomoeda sofrendo um FUD.
Ainda é cedo para desclassificar uma moeda com tão alta capitalização de mercado e time razoavelmente competente, mas como analista não posso ignorar que há incertezas para a moeda. O timing das inovações me preocupa razoavelmente. Quando um investidor toma uma decisão, ele não pode priorizar apenas o retorno, mas também o risco. Com a forte incerteza sobre o IOTA, temo que o risco domine essa equação e não consigo recomendar mais que pequenas posições na moeda, e somente se houver muita crença no potencial da moeda. Entretanto, vale ficar atento aos desenvolvimentos. Talvez a audácia do core dê retornos positivos, mas também creio que certo conservadorismo vá fazer bem aos estrategistas da moeda. Num raro momento que citarei Marvel, com grandes poderes, há grandes responsabilidades e, às vezes, isso vale mais do que confiar demais na própria capacidade de mudar o mundo das criptomoedas.