Com alguma certeza os mercados de risco e investidores já se ajustaram para os dados que vão começar a sair sobre o segundo trimestre de 2020, e também, sobre os resultados de empresas no primeiro semestre do ano, contendo até algumas poucas surpresas de quem estava desalavancado, capitalizado ou mesmo conseguiu nadar em águas menos turbulentas setorialmente falando.
Os preços dos ativos ajustaram rapidamente com o início da pandemia, depois buscaram algum patamar de equilíbrio, enquanto outros até transitaram por valores pré-crise. Isso vale também para a taxa cambial que atingiu patamares elevados e depois retrocedeu um pouco. Porém, os investidores estrangeiros ainda não começaram a voltar e todo esse giro foi preponderantemente feito por investidores locais, desalentados com a remuneração obtida na renda fixa, principalmente depois de a taxa Selic ter atingido 2,25%.
Os investidores estrangeiros, até perto do final do mês de junho, já tinham sacados recursos da Bovespa no montante de R$ 76,5 bilhões (até 26/6), e o BIS - Bank of International Settlement (banco central dos bancos centrais), constatou que, na pandemia, os estrangeiros sacaram recursos de países emergentes no montante de US$ 80 bilhões. Aqui, em função de termos boa liquidez nos diferentes segmentos do mercado financeiro e de capitais, ainda sofremos comparativamente mais. Além disso, com a queda da taxa de juros, as operações de carry trade foram minguando.
Pois bem, mesmo que os mercados já estejam ajustados para essa primeira fase, ainda persistem inúmeras dúvidas e a primeira delas, claro, se refere ao controle da infecção no país, que insiste em bater recordes e com maiores riscos, em função da abertura da economia com curva de contágio e óbitos ainda em ascensão. Se seguirmos nessa toada, certamente as dificuldades de recuperação serão maiores em nossa economia. Basta lembrar a frase do presidente do FED, Jerome Powell, para a economia americana (obviamente serve para nós também), de que a “recuperação completa não virá, até que a confiança retorne”.
Nossa grande preocupação reside no day after da economia brasileira. Entramos nessa pandemia com nível de endividamento bruto ao redor de 75%, muito alto para um país emergente e desequilibrado em suas finanças públicas, e se nada de anormal acontecer no meio do caminho, deveremos terminar o ano de 2020 acima de 95% do PIB ou, quem sabe, já trilhando a casa de 100%. O déficit primário, que antes da crise estava estabelecido em algo ao redor de R$ 120 bilhões, com os gastos da Covid-19 podem alcançar cerca de R$ 1 trilhão, ou, como estima o Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), já na casa de R$ 1,3 trilhão.
A fase é mesmo de tentar mitigar impactos e preservar as populações mais carentes e empresas, notadamente as de pequeno e médio porte, as grandes empregadoras de mão de obra e que farão a retomada e redução do desemprego hoje já em alta para 12,9%, mas com cara de se aproximar de 15%. O governo que acenava com três meses de auxílio emergencial já fala em mais três, com benefícios decrescentes, mas ainda assim incorporando dispêndios de cerca de R$ 100 bilhões adicionais. Igualmente, ganha cada vez mais vulto a discussão de benefícios continuados de renda mínima (perene), que provavelmente extrapolaria o teto de gastos no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2021.
Podemos acrescentar que o Brasil não tem qualquer tradição de ajustar suas contas públicas. Ao contrário, somos mestres em fazer maquiagens e feitiçarias com nossas contas, e sempre optamos pela via mais fácil de ampliar a carga fiscal. Só que agora isso não será mais possível e os ajustes e reformas terão de ser feitos, sob pena de investimentos cessarem inteiramente. Portanto, no day after, as medidas deveriam ser espartanas para voltar a atrair recursos para investimentos de longo curso, de estrangeiros ou locais, com marcos regulatórios setoriais amigáveis e com segurança jurídica, além de forte programa de privatização e reformas do Estado.
Se isso tudo isso não for feito e de uma vez, certamente teremos mais uma década perdida em um longo processo de recuperação, ficando para trás em relação a outros emergentes concorrentes. Não há outro caminho a ser perseguido. Os mercados, esses vão reagir em função das sinalizações emitidas pelo governo.