Por Aniela Carrara*
O ano de 2021 terminou com a inflação em patamar elevado – 10,06%, de acordo com IBGE (2022a) – frente à meta estabelecida para tal ano, que era de 3,5%. As motivações para tal resultado foram diversas, como o desarranjo na cadeia global de suprimentos, a alta nos preços internacionais das commodities, a desvalorização substancial da moeda brasileira em relação ao dólar, questões políticas e institucionais internas, dentre outras.
Agora em 2022, as preocupações relacionadas ao patamar geral de preços da economia e, em especial, dos alimentos se agravaram. Em fevereiro de 2022, a variação do IPCA alimentação e bebidas ficou em 1,28%, acima da do IPCA geral, que foi de 1,01% no mesmo mês (IBGE, 2022a). Já o IPCA-15, de março de 2022, que funciona como uma prévia para a inflação oficial, reforça tal preocupação, ao indicar avanço mensal de 1,95% para o IPCA, referente ao grupo alimentação e bebidas (IBGE, 2022b).
A inflação elevada é sempre um problema, sobretudo quando incide sobre produtos que têm grande relevância na cesta de consumo da população, como itens alimentícios, já que acaba impactando, em maior proporção, famílias de baixa renda, que dedicam grande parte de seu orçamento para a aquisição de alimentos.
A explicação para o atual contexto inflacionário passa pelo entendimento de diversos fatores e congrega questões nacionais e internacionais que estão interrelacionadas e que não são de fácil resolução.
Antes de falar do contexto internacional, que é o foco desta análise, é relevante pontuar que pelo menos uma parte da alta verificada nos preços dos alimentos pode ser creditada ao clima desfavorável nas regiões Centro-Oeste e Sul do País, que resultou em menor colheita de milho, soja, arroz e feijão no início de 2022 frente ao estimado no final de 2021 e influenciou a alta nos preços de tais produtos. Igualmente, os valores das frutas e hortaliças subiram, o que se deve, dentre outros fatores, também ao clima.
No que diz respeito ao cenário internacional, à medida que o conflito entre a Ucrânia e a Rússia se prolonga, intensificam-se as incertezas quanto ao fornecimento de alguns produtos adquiridos pelo Brasil naquela região, como fertilizantes. As restrições no provimento desse insumo – ou apenas a expectativa de que tal fato possa ocorrer – já impulsionam os preços, como é possível verificar por meio da Figura 1, que expõe o índice de preço de commodities alimentares, dos fertilizantes e de commodities energéticas, calculados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
No caso dos fertilizantes, a Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos) indica que o Brasil importa 85% desse insumo utilizado na produção agrícola do País, sendo que cerca de 20% vêm da Rússia, segundo dados do MDIC (2022). Desta forma, com o início do conflito, diversas incertezas surgiram em relação ao fornecimento desse insumo, o que fez com que muitos produtores buscassem antecipar suas compras, elevando os preços e, consequentemente, os custos de produção, o que, por sua vez, será, em alguma medida, repassada ao consumidor.
Quanto aos combustíveis, há uma grande preocupação com o preço internacional do petróleo, uma vez que a Rússia é um dos principais países exportadores da commodity. Desde o início do conflito, o preço do petróleo se mantém elevado, refletindo as incertezas a respeito de seu fornecimento. Este aumento já foi percebido nos valores dos combustíveis brasileiros, por conta da política de preço de paridade de importação utilizada pela Petrobras (SA:PETR4). O mesmo se aplica ao gás de cozinha. Assim, mesmo com a taxa de câmbio operando atualmente em patamares inferiores aos observados no final de 2021, muito por conta da elevação da taxa básica de juros da economia brasileira, a alta do preço internacional das commodities energéticas já é sentida em território nacional.
E é importante ressaltar que o aumento nos preços dos combustíveis é algo que muito preocupa, por conta do efeito de difusão que tais valores têm para o restante da economia, já que estes são parte importante dos custos dos transportes em geral.
Por fim, em relação às commodities alimentares, como é possível verificar na Figura 1, em 2021, os preços destes produtos já apresentavam tendência de alta em comparação a 2020, por causa dos efeitos da pandemia da covid-19, que levaram a um desarranjo nas cadeias globais de produção. Com o início do conflito entre Rússia e Ucrânia, esta tendência também foi reforçada, uma vez que ambos os países têm relevância na exportação de produtos agrícolas – como o trigo e o milho – e a deflagração do confronto gera dificuldades no fornecimento e transporte de tais commodities, a exemplo do que ocorre com as demais, implicando em redução da oferta e consequentemente elevação dos preços internacionais.
Logo, o que se percebe é que o contexto de incertezas gerado pelo conflito no leste europeu e a falta de perspectivas a respeito de sua resolução gera um grande desarranjo nas expectativas dos agentes econômicos e no fornecimento de produtos – sobretudo commodities – o que, por sua vez, tem impacto direto nos preços internacionais, que são repassados para as economias de cada país, em maior ou menor grau. No caso do Brasil, tal cenário reforça um patamar inflacionário que já era preocupante e recai, principalmente, sobre grupos de produtos e serviços de grande importância para a população.
*Pesquisadora da área de macroeconomia do Cepea