Um vídeo de uma cena envolvendo os atuais brothers na casa mais vigiada do Brasil (atual versão do Big Brother Brasil, para os não familiarizados) viralizou na semana passada. O vídeo mostra uma conversa entre três participantes, em que um insiste que um tênis dado no programa é barato, enquanto outras duas defendem que o tênis era caro. O preço do tênis? R$ 150,00. “Barato”, insistiu o participante. “Para nós, isso é caro”, completaram as outras duas.
A conversa cotidiana, observada por milhares de brasileiros, acabou por servir de perfeita ilustração da diferença de realidade vivida no Brasil. Enquanto para um, R$ 150,00 pode parecer uma módica quantia, esse não é o caso para boa parte dos brasileiros.
Pensando nisso, refleti sobre a inflação e o impacto da alta dos preços na economia e no dia a dia da população do país.
Você sabia que a inflação não é sentida por todos da mesma maneira?
Em 2021, todos os brasileiros viram o preço dos bens e serviços que consomem subir – e muito. O nosso principal indicador de inflação ao consumidor, o IPCA, registrou alta de 10,06% no ano. Mas isso não foi sentido de maneira igual por todos os brasileiros.
Na realidade, quem sentiu no bolso as maiores altas foram as famílias de renda média-baixa e renda média. Um recente estudo do IPEA ilustra essa diferença. Como podemos ver, no gráfico abaixo, enquanto a inflação das famílias de renda média-baixa foi de 10,4%, aquela que impacta famílias de renda alta foi de 9,5%.
A principal razão por trás dessa diferença é o fato de que pessoas de diferentes classes de renda consomem bens e serviços em diferentes proporções entre si, e em relação à sua renda.
Ou seja, por mais que os preços dos bens e serviços em determinada economia sejam os mesmos, a proporção na qual eles são consumidos irá variar conforme a faixa de renda. Esse fator faz com que a inflação que pesa no bolso de alguns não seja a mesma que pesa no bolso de outros.
A começar, famílias mais pobres tendem a gastar uma proporção maior da sua renda com bens do que com serviços. Já as famílias mais ricas tendem a gastar proporcionalmente, mais com serviços, do que com bens. Pense em alimentação. Quem frequenta mais restaurantes? Quem cozinha mais em casa?
Ao mesmo tempo, enquanto famílias mais pobres gastam a maior parte da sua renda com alimentação e habitação, famílias mais ricas têm gastos mais diversificados. Assim, quando alimentos e custos de habitação como energia elétrica e gás de cozinha sobem, logo tomam mais espaço do bolso das famílias de menor renda.
Por outro lado, se a inflação de serviços sobe vertiginosamente em determinado período, as famílias de maior renda tendem a sentir mais o impacto da inflação. O mesmo ocorre quando vemos fortes aumentos em combustíveis, por exemplo, como é o caso atual – com a gasolina tendo subido quase 50% no ano passado. Dado o maior uso de transportes individuais por parte de famílias relativamente mais ricas, a alta dos combustíveis tende a elevar a inflação sentida pelas camadas, de média a alta renda.
Finalmente, vale destacar a diferença de realidade de consumo e investimento entre as faixas de renda, o que também acaba impactando a inflação. Como as famílias mais pobres tendem a gastar grande parte de sua renda - quando não o total – os preços em alta acabam ocupando praticamente todo o “bolso” da família.
Enquanto isso, famílias de classe mais alta têm maiores condições de investir, seja em bens como carros e imóveis, ou em investimentos financeiros. Assim, apesar de serem também impactadas com a alta de preços, os mais ricos tendem a ver os seus ativos valorizarem na outra ponta.
Em resumo, embora a alta de preços de bens e serviços observada na economia seja a mesma, “a minha inflação não é, necessariamente, igual a sua inflação”. Assim, quando pensar “que preço é preço, só muda de endereço”, lembre-se do choque de realidade dos tênis do BBB.