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O Caso Theranos: Ética e valores... das ações de uma empresa – parte 2/2

Publicado 26.03.2023, 06:05
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Na coluna passada falamos do tema ética nas empresas e relembramos o caso Enron. Hoje continuamos o tema com outro exemplo muito ilustrativo. Você já ouviu falar de Elizabeth Holmes?

Holmes cresceu nos anos 1990 nos EUA sonhando em se tornar uma bilionária. Em 2002, estudando engenharia química na Universidade de Stanford, abordou a Dra. Phyllis Gardner, professora de medicina. Holmes apresentou a ideia de criar um patch que pudesse escanear um paciente e liberar medicamentos conforme necessário. Gardner explicou por que o adesivo não funcionaria. O tamanho do equipamento, as doses de medicamento e a necessidade de diagnósticos não eram compatíveis.

Holmes não se deu por vencida. Depois de estagiar no Genome Institute, em Cingapura, voltou com um pedido de patente para o 'Therapatch'. Ele analisaria automaticamente as necessidades de medicamentos de um paciente por meio de pequenas quantidades de sangue coletadas por microagulhas. E seria capaz de enviar as informações ao médico do paciente.

Em 2004, aos 19 anos, Holmes abandonou seus estudos com a missão de revolucionar a tecnologia de saúde. Fundou a Theranos, inspirada na palavra grega para o deus da sangria terapêutica. A startup ganhou impulso rápido, devido a investimentos de conexões abastadas conseguidas graças à família de Holmes. Seu pai fora vice-presidente da Enron e ocupara cargos em agências governamentais dos EUA. Seu bisavô, um imigrante, fundou a empresa Fleischmann, de produção de fermento. Em 2005, a Theranos já havia obtido US$ 6 milhões em investimentos iniciais.

No entanto, Holmes rapidamente percebeu que a doutora Gardner estava certa sobre o Therapatch. Como alternativa, passou a buscar um processo que modificaria os métodos laboratoriais padrão da indústria para amostragem e diagnóstico de sangue. Usando uma única gota, em vez do método tradicional de punção venosa, a Theranos desenvolveu uma máquina que dizia ser um “laboratório médico em um chip”: o ‘miniLab’. Os pacientes seriam capazes de selecionar, solicitar e analisar seus próprios testes sem supervisão médica. A tecnologia era revolucionária.

Holmes era apontada como alguém muito focada, com um dom excepcional para vender ideias. Ela montou um Conselho de Administração de figuras políticas de alto nível, como os ex-secretários de estado dos EUA George Shultz e Henry Kissinger, entre outros. Embora a composição do conselho da empresa tenha atraído muita atenção da mídia, apenas dois membros tinham experiência na área da saúde, os demais eram em sua maioria políticos e militares.

Em 2006, os investimentos na Theranos totalizaram US$ 45 milhões. Em 2009, o empresário americano Ramesh “Sunny” Balwani garantiu à empresa uma linha de crédito de $ 13 milhões e tornou-se seu presidente e COO. Em 2014, Holmes já havia recebido mais de $ 900 milhões em financiamento e a Theranos obteve uma avaliação de mercado de $ 9 bilhões. Ela, como fundadora da empresa, era a CEO e tinha 50% do negócio. Grandes investidores eram atraídos devido à tecnologia promissora da Theranos, entre eles o magnata da mídia, Rupert Murdoch, e o fundador da Oracle (NYSE:ORCL), Larry Ellison. Elizabeth Holmes foi incluída no grupo de melhores “30 under 30” da revista Inc.com e chamada de “salvadora de vidas”.

Em 2013, a rede de farmácias Walgreens e a Theranos fizeram parceria para instalar a tecnologia em 40 das lojas no Arizona. Outras parcerias seguiram, como a gigante de seguros Capital BlueCross e a Cleveland Clinic, além de Pfizer (NYSE:PFE) eGlaxoSmithKline (LON:GSK), que usaram a Theranos para testes de ensaios clínicos, e a gigante dos supermercados Safeway. Em 2015, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou a Theranos para o exame de sangue de herpes nos EUA.

A revista Forbes nomeara Holmes como a mais jovem bilionária self-made, avaliando seu patrimônio em US $ 4,7 bilhões quando ela recém completara 30 anos de idade. Ela foi reconhecida pelo presidente Barack Obama como embaixadora dos EUA para o empreendedorismo global. Holmes era sinônimo de história de sucesso para a mídia de negócios e, crescentemente, tornava-se também um fenômeno de massa, sendo capa de diversas publicações como Fortune, Forbes, Bloomberg e Glamour. O então vice-presidente Joe Biden fez a ela grandes elogios pelo lançamento do miniLab, descrito por Holmes como “a coisa mais importante que a humanidade já construiu”. 

O que Biden e os demais não sabiam era que o produto simplesmente não funcionava.

O que o miniLab conseguia fazer eram ensaios imunológicos usando micro-fluidos. A minúscula amostra de sangue tinha que ser diluída extensivamente (sem padrões de referência ou precedentes na literatura laboratorial), levando a resultados espúrios. Os restantes das centenas de ensaios que deveriam fornecer eram feitos usando equipamentos de laboratório comercialmente disponíveis. Este era justamente o “segredo” muito bem guardado da Theranos. Eric Topol, do periódico Nature, comentou sua experiência com a empresa:

“Encontrei Holmes duas vezes e conduzi uma entrevista (...) Tive meu sangue coletado por uma picada no dedo e em 30 minutos recebi meus resultados para testes de rotina — supostamente mostrando níveis normais de glicose e lipídios. Mal sabia eu que eles eram executados em uma máquina Siemens padrão (não tive permissão para ver a área do laboratório) na sala dos fundos da Theranos. Nada foi analisado no miniLab. Como muitos outros, eu sofri do viés da confirmação, desejando que essa mulher jovem e ambiciosa com uma grande ideia tivesse sucesso.”

O ambiente de trabalho da Theranos foi apontado como “tóxico” por ex-funcionários. A curta história da empresa foi marcada por demissões, ameaças legais e intimidações para ocultar o que estava acontecendo. Foram reportados casos de espionagem industrial de equipamentos concorrentes e outros envolvendo espionagem das contas de mídia social dos funcionários. O ex-líder do grupo de química da empresa cometeu suicídio, motivado, segundo sua esposa, pelas pressões recebidas. Quando o diretor financeiro da Theranos se encontrou com Elizabeth Holmes para avisá-la que a empresa deveria parar de mentir para seus investidores, Holmes ficou com uma expressão gelada, disse que ele não era um “team player” e o despediu.

Em 2015, um artigo publicado no The Wall Street Journal apontou a Theranos como uma farsa. O jornalista investigativo John Carreyrou acessou ex-funcionários e médicos parceiros da Theranos. Ele descobriu que a empresa dependia da tecnologia padrão da indústria, a mesma que eles insistiam ter revolucionado, para realizar seus exames de sangue. Além disso, apontou que a Theranos falhou em fornecer diagnósticos precisos aos pacientes e que seus resultados eram falsificados. Apesar dos US$ 125 milhões investidos na Theranos pelo empresário Rupert Murdoch, dono do jornal, as reportagens foram publicadas. Carreyrou entrevistou muitos funcionários que tinham medo de prejudicar pacientes com resultados de laboratório fraudulentos. A combinação desses bravos delatores e um jornalista tenaz criou um caso difícil de ser contestado. Embora Elizabeth Holmes continuasse a negar a realidade.

No dia em que o artigo foi publicado, uma das primeiras céticas em relação à proposta de Holmes, a professora Phyllis Gardner, estava participando de uma reunião do conselho de membros da Harvard Medical School. A reunião contava com a presença de Holmes, que havia sido nomeada para o conselho. Gardner afirmou: “Eu apoio as mulheres. Eu sempre apoiei. (...) Mas não vou apoiar uma fraude – não me importa qual seja o seu gênero”.

Após o artigo, a Theranos começou finalmente a ser investigada por órgãos do governo. Investidores, parceiros e o estado do Arizona processaram a empresa, depois que mais evidências surgiram. Em 2018, a Securities and Exchange Commission (SEC) acusou formalmente a Theranos, Holmes e Balwani de fraude. A SEC citou que eles arrecadaram, “... mais de US$ 700 milhões de investidores por meio de uma fraude elaborada, que durou anos, na qual eles exageraram ou fizeram declarações falsas sobre a tecnologia, os negócios e o desempenho financeiro da empresa”. Em novembro de 2022, Holmes foi condenado à prisão federal por 11 anos.

Há que se admitir que Holmes teve uma visão notável. Entretanto, os cientistas e engenheiros da Theranos não conseguiram produzir resultados confiáveis, pelo menos não no prazo exigido. Isso não impediu Holmes e Balwani de arrecadar centenas de milhões de dólares de investidores ou de implantar as máquinas propensas a erros para uso de pacientes desavisados.

Como uma empresa com tantos problemas como a Theranos conseguiu ser avaliada em US$ 9 bilhões? Como atraiu uma rede de tantas pessoas influentes, mesmo quando colocava seus pacientes em perigo? Apesar das grandes promessas, como a tecnologia da Theranos foi liberada sem uma única publicação por cientistas independentes, sem falar na replicação de experimentos e na comparação com outras tecnologias?

Capitalistas de risco, particularmente os menos familiarizados com as tecnologias médicas, ficaram fascinados pela visão de Holmes e seus discursos apaixonados. Já empresas como Safeway e Walgreens (NASDAQ:WBA) temiam perder uma tecnologia revolucionária que imaginavam que as colocaria à frente de seus concorrentes. A Theranos também se beneficiou de uma zona cinzenta regulatória. Como muitas empresas, Holmes pressionou por qualquer fiscalização que se mostrasse mais fácil de navegar e conseguiu colocar suas máquinas de teste em farmácias sem validação. Se a comunidade médica e os reguladores tivessem responsabilizado a empresa, talvez os fatos se desenrolassem de modo diferente. Houve outros exemplos de empresas do Vale do Silício que cresceram meteoricamente, mas nenhuma colocou em risco a saúde dos pacientes. 

Será que as lições foram aprendidas para impedir que casos similares aconteçam novamente?

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*Luís Antônio Dib é professor do quadro permanente do COPPEAD, consultor e palestrante. Ele é mestre e doutor em Administração, além de possuir certificações da Harvard Business School. Dib coordena o Executive MBA COPPEAD e ministra disciplinas nas áreas de Julgamento e Tomada de Decisão, Estratégia, Negociação e Internacionalização. Sua experiência profissional inclui cargos executivos na Shell (NYSE:SHEL), Telefônica (BVMF:VIVT3) e TIM (BVMF:TIMS3), além de vários anos como consultor de alta gestão pela Booz-Allen.

Dib discute conceitos complexos do mundo dos negócios e o impacto estratégico de novas tecnologias de forma clara, direta e bem-humorada, sendo um dos mais importantes interlocutores brasileiros para questões ligadas à gestão de empresas.

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