Em uma semana marcada pela preocupação dos mercados com um cenário de juros mais altos por mais tempo nos Estados Unidos, a Nvidia (NASDAQ:NVDA) roubou a cena em Nova York. As ações da big tech saltaram 13,5% no período e cravaram novo recorde, em reação à divulgação do forte balanço no primeiro trimestre. O índice Nasdaq também alcançou máxima histórica.
Apesar da previsão animadora da empresa de mais um resultado robusto nos três meses seguintes, os investidores devem estar atentos ao ambiente geopolítico. A tensão entre EUA e China pode dissipar o prognóstico favorável da fabricante de chips, tal qual os dados econômicos fizeram com as expectativas de cortes pelo Federal Reserve desde março.
O fogo amigo vem de Washington. As sanções impostas pelos EUA contra a exportação de chips de Inteligência Artificial põem em risco o mercado dominado pela Nvidia. Para se ter uma ideia, antes das restrições, a big tech detinha mais de 90% de participação do mercado chinês, tendo lançado chips feitos sob medida para a China ao final do ano passado.
Agora, porém, as sanções dos EUA impediram a Nvidia de exportar para a China seus semicondutores mais avançados, fomentando a concorrência com chips locais, como os fabricados pela Huawei. O duelo forçou a americana a reduzir os preços dos seus produtos, lançando dúvidas sobre o futuro em um mercado que contribuiu com 17% da receita no ano.
A recíproca, porém, não é verdadeira.
A questão de Taiwan
A principal fabricante de chips do mundo, a TSMC (NYSE:TSM), prevê uma “era de ouro de oportunidades com a IA”. Nessa corrida do ouro, a empresa com sede em Taiwan é a responsável pela fabricação das “pás e picaretas” - ou seja, das ferramentas necessárias para a Nvidia - e outras gigantes, como a Apple (NASDAQ:AAPL) - produzir seus chips avançados.
Em outras palavras, sem a taiwanesa não haveriam as big techs. É a TSMC que transforma a matéria-prima a partir do silício em chips semicondutores, que são a base dos processamentos gráficos e de dados das inteligências artificiais.
Daí porque a “captura” da TSMC pela China seria “devastadora” para os EUA, conforme declarações recentes da secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo. Afinal, os EUA compram mais de 90% dos seus chips de ponta de Taiwan.
Vale lembrar que Pequim considera Taiwan uma província rebelde, que serviu de refúgio aos nacionalistas derrotados pelos comunistas em 1949. Por isso, o governo do continente chinês defende a política de “uma só China” e busca uma reunificação pacífica nos moldes do lema “um país, dois sistemas”, aplicado em Hong Kong desde 1997.
Porém, a vitória de William Lai Ching-te nas eleições presidenciais da ilha tida como a última fronteira da Guerra Fria aquece a ‘guerra dos chips’. Em seu discurso de posse, ele se comprometeu em manter o status quo de Taiwan, defendendo a soberania e pedindo que a China Continental pare de intimidar a ilha.
As palavras, obviamente, não foram bem recebidas em Pequim. O governo chinês não descarta o uso da força, se necessário, contra a independência da ilha e repudia o apoio político e militar de Washington que, embora não reconheça oficialmente o governo de Taipé desde 1979, usa a questão de Taiwan para provocar a China.
TSMC chinesa
Com a escalada da tensão no Pacífico, a TSMC recebeu cerca de US$ 10 bilhões em subsídios dos EUA para a produção de semicondutores avançados na unidade em Phoenix. A taiwanesa pretende produzir a tecnologia de 2 nanômetros em sua segunda fábrica no Arizona e deve abrir uma terceira unidade até 2030.
Para o professor e cientista político Zhong Yongnian, o plano de transferir parte da capacidade de produção da TSCM para os EUA não é viável. “Do ponto de vista transacional, Lai Ching-te está essencialmente vendendo os interesses de Taiwan”, disse em um blog no WeChat da Universidade Chinesa de Hong Kong.
"Essas medidas de realocação industrial são formas de os EUA esvaziarem Taiwan. Os EUA não transferem as suas melhores tecnologias para Taiwan, mas, em vez disso, permitem que Taiwan transfira as suas melhores tecnologias para os EUA"- Zhong Yongnian, professor e cientista político da Universidade Chinesa de Hong Kong
Ao fazer isso, os EUA se beneficiam satisfazendo suas necessidades industriais e, ao mesmo tempo, restringem a ascensão da China. Em última análise, dificilmente Taiwan sobreviverá. A não ser que antes do último sopro, retome os laços com o continente chinês e volte a ser o “Pequeno Dragão” dos anos 80, fortalecendo a integração econômica e social no Estreito.