Kathy Lien, diretora executiva de estratégia de câmbio da BK Asset Management
Analisando os eventos desta semana agitada, fica a impressão de que nada é mais importante do que as notícias-bomba e o risco das manchetes. Ontem, o presidente dos EUA, Donald Trump, derrubou os mercados de câmbio e ações ao impor à China uma tarifa adicional de 10% sobre US$ 300 bilhões de importações chinesas a partir do próximo mês. Trump afirmou que, embora as tratativas comerciais tenham sido retomadas e a China tenha prometido adquirir grandes quantidades de produtos agrícolas norte-americanos, os chineses “não fizeram isso” nem "pararam de vender Fentanil para os Estados Unidos”. O presidente disse ainda que as negociações continuariam, mas está se arriscando da pior forma ao pegar pesado com a China e aplicar novas tarifas ao país. Além de provocar a forte queda das ações americanas, levando consigo o dólar estadunidense e australiano,o anúncio de Trump gerou outras importantes consequências.
Em primeiro lugar, a chance de os bancos centrais, incluindo o Fed, ampliarem a flexibilização aumentou exponencialmente com o tarifaço. A maior preocupação de todos tem sido o crescimento global e as tensões comerciais, e agora essas preocupações se materializaram. A China terá que acelerar o estímulo para evitar uma desaceleração ainda maior da economia e, com isso, o iuane chinês pode romper o patamar de 7 iuanes por dólar. Isso pressionará as moedas de toda a Ásia e prejudicará seu crescimento. É possível que as ações e moedas apresentem mais perdas, já que os investidores apostam que o Fed não terminou seu trabalho após esse anúncio.
O relatório de emprego (payroll) não agrícola está marcado para esta sexta-feira e, com o retorno da aversão, um relatório fraco terá um impacto maior no dólar do que dados fortes. O relatório de emprego do mês passado veio bem acima do esperado. Houve um aumento de 224 mil na folha de pagamento, contra uma previsão de 160 mil. A alta se deve, em grande medida, à base de comparação baixa do mês anterior. A expectativa é que o crescimento do emprego desacelere neste mês, o que não impactaria significativamente o dólar, não fossem as novas tarifas que Trump impôs à China, pois os investidores confiariam no otimismo do Fed. No entanto, o banco central pode não ter outra alternativa senão reduzir as taxas de juros novamente se a queda de ontem se tornar uma correção mais profunda nos mercados. Como indicado na lista abaixo, os argumentos a favor e contra um relatório de emprego mais forte estão equilibrados.
Portanto, se o crescimento do emprego atender às expectativas, o dólar pode continuar sua trajetória de queda. O suporte no USD/JPY está em 106,78, e esperamos que esse nível seja testado se o crescimento do emprego for menor que 175 mil e o ganho médio por hora trabalhada permanecer em 0,2%. Mas, se o aumento do emprego superar 200 mil e o ganho médio acelerar, a moeda americana se valorizará, mas a alta deverá ter vida curta. O Payroll anunciado nesta sexta-feira apresentou criação de 164 mil postos de trabalho em julho.
As três moedas vinculadas a commodities caíram ontem, mas o dólar australiano foi o mais afetado pela notícia das tarifas. O par AUD/USD caiu pelo décimo dia seguido, atingindo seu patamar mais baixo no ano. Esse é o período mais longo de fraqueza ininterrupta desse par de moedas desde 2008. A mínima de dezembro a 0,6745 deve ser testada antes do próximo anúncio de política monetária do banco central australiano. A divulgação dos preços ao produtor e das vendas no varejo está marcada para esta noite. Embora haja expectativa de números mais fortes, dados positivos não devem impedir a queda da moeda, em razão da repercussão do crescimento chinês mais lento na economia australiana.
Apesar de a libra esterlina ter caído forte logo após o anúncio de política monetária do Banco da Inglaterra, a moeda teve um repique nas mínimas e finalizou o dia praticamente estável contra o dólar americano. Em decisão unânime, o Banco da Inglaterra manteve inalteradas as taxas de juros e o programa de compra de ativos. A instituição também reduziu a perspectiva para o PIB em 2019 e 2020, mas elevou a previsão de inflação. Suas projeções não vislumbram a possibilidade da falta de acordo e se baseiam na redução das taxas de juros em 25 pontos-base até o início de 2020. De acordo com o banco central, o cenário ainda é de incerteza, possibilitando uma grande variedade de caminhos, mas se sua previsão se concretizar e ocorrer um Brexit suave, poderia haver uma elevação gradual das taxas de juros. Os comentários do governador Carney não foram tão otimistas quanto o relatório trimestral ou o anúncio de política monetária. Ele reconheceu que a chance de um Brexit sem acordo aumentou, afirmou que as condições financeiras continuam voláteis e alertou que as tensões comerciais estão tendo um impacto maior do que o esperado na economia britânica. Com isso, o crescimento subjacente encontra-se abaixo do potencial, com probabilidade de queda do investimento no terceiro trimestre. A libra se afastou das mínimas antes do anúncio das tarifas à China, pois, mesmo com os comentários de Carney, os investidores se mostraram confiantes de que as elevações de juros ainda estão sobre a mesa do Banco da Inglaterra.