A alteração da bandeira de energia elétrica ou a redução de preços de combustível neste momento mudam o nível da inflação, mas não alteram sua dinâmica de médio prazo.
A leitura do IPCA hoje (08/04), referente ao mês de março, traz novas dúvidas em relação à capacidade de convergência da inflação para o seu horizonte relevante, mesmo considerando o esforço de aperto monetário do Banco Central. Assim, aumentam as chances de que o Copom não dê por encerrado o ciclo de altas na reunião de maio e acabe levando a Selic acima de 13% a partir de junho.
Pelos grupos, a maior surpresa positiva ocorreu no grupo Alimentação e Bebidas, especificamente tubérculos, raízes e legumes (com altas expressivas em tomate e cenoura), hortaliças e verduras (repolho). Além disso, a categoria de Transportes teve elevações acima do esperado no preço de combustíveis, motocicletas e aluguel de veículo. Adicionalmente, houve surpresas desfavorável de forma generalizada no grupo Vestuários.
Pelas aberturas relevantes ao Banco Central, os preços administrados ficaram acima do esperado. Nos preços livres (1,24% vs. 1,02% exp.), a surpresa altista ocorreu principalmente na alimentação em domicílio (3,09%, exp. 2,35%) e, em menor grau, nos bens industriais (1,20%, exp. 1,06%) e serviços (0,45%, exp. 0,40%).
A média dos cinco núcleos acompanhados pelo Banco Central atingiu impressionantes 0,98%, ligeiramente abaixo do 1% observado no mês anterior, porém ainda em patamar consideravelmente elevado. Em 12 meses, a medida acumula alta de 9,01%, acelerando frente aos 8,40% acumulados até fevereiro/22.
Nossos cálculos que separam os preços livres em cíclicos (reagentes ao hiato) e acíclicos (não reagentes ao hiato) trazem informações relevantes sobre a natureza do IPCA (gráfico abaixo). Tendo em vista a dinâmica elevada, tanto dos acíclicos (9,25% YoY) quanto dos administrados (14,84% YoY), seria necessária uma queda abrupta nos itens cíclicos (7,87% YoY) para que a inflação convergisse à meta no horizonte relevante.
Enxergamos o IPCA com composição extremamente desfavorável, não somente nos itens administrados ou em alimentos, que foram as maiores contribuições para o headline no mês, mas também nos itens subjacentes e núcleos e difusão.
Ou seja, a Selic teria de subir ainda mais significativamente para patamar restritivo, algo que vemos como pouco factível dada a indicação do Banco Central de que gostaria de encerrar o ciclo de altas em breve.
De toda forma, reforçamos nosso alerta. O problema do Brasil neste momento parece ser relacionado a uma dinâmica de formação de preços extremamente altista. Isso pode ter sido impulsionado, em parte, pelo Auxílio Brasil. A alteração da bandeira de energia elétrica ou a redução de preços de combustível neste momento mudam o nível da inflação, mas não alteram sua dinâmica de médio prazo.
Assim, corremos o risco de ter novamente impactos da inércia no ano que vem elevando as expectativas de inflação, o que por sua vez obrigará o Copom a retardar o início dos cortes de juros mesmo considerando o baixíssimo crescimento. À frente imediata ficará, contudo, quando será o fim do ciclo de altas.