O Morgan Stanley vê o petróleo Brent ancorado em US$ 65 por barril no longo prazo, enquanto seu rival do outro lado da cidade, o Goldman Sachs, espera uma “ligeira" máxima de US$ 75. Independentemente da previsão, a profundidade sem precedentes dos cortes de petróleo da Arábia Saudita parece agora uma dádiva e uma maldição para Riad, que está ganhando mais pelo barril, porém, ao mesmo tempo, arrisca perder sua preciosa participação de mercado para rivais nos EUA e na Ásia.
O principal perigo para o reino é que grandes petrolíferas, como a Exxon Mobil (NYSE:XOM) e a Chevron (NYSE:CVX), aumentarão tanto sua capacidade de produção de petróleo de xisto (shale) nos EUA nos próximos anos, que se tornarão tão influentes quanto a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) para atender os cobiçados mercados asiáticos e ditar os preços na região.
Uma Nova “Opep” de grandes petrolíferas?
Essa realidade, nas palavras de John Kilduff, sócio-fundador do hedge fund de energia Again Capital, de Nova York, representaria “um cenário extremamente precário para o futuro do petróleo saudita”, bem como “uma incrível oportunidade para que as grandes petrolíferas formem uma Opep da sua própria classe”.
O mundo teve uma ideia de como seria esse futuro depois que a Exxon Mobil e a Chevron recentemente anunciaram planos para aumentar sua atual produção em mais um milhão de barris por dia no Permiano, principal bacia de xisto nos EUA. A Exxon Mobil foi além, ao declarar que espera retornos de dois dígitos em seus investimentos no Permiano, mesmo com o petróleo a preços baixos. Segundo a companhia, com um barril a US$ 35, por exemplo, a produção no Permiano geraria um retorno médio de mais de 10%.
Se isso for verdade, significa que, no auge do colapso do mercado petrolífero do ano passado, quando o petróleo norte-americano West Texas Intermediate caiu para cerca de US$ 43 por barril, a Exxon Mobil ainda estaria fazendo dinheiro com o óleo do Permiano, enquanto muitas petrolíferas estatais do Oriente Médio, como a Aramco, da Arábia Saudita, viam seu caixa secar.
Grandes petrolíferas se tornam altamente lucrativas no shale
Uma reportagem da Bloomberg, na segunda-feira, validou as afirmações da Exxon Mobil, dizendo que as grandes empresas petrolíferas que sofreram com o crash do mercado em 2014 aprenderam a sobreviver em uma era de preços mais baixos por um período maior. Agora, o lucro dessas empresas é similar ao dos dias de barril a US$ 100, depois de compartilharem projetos em praticamente todas as áreas, desde bombas até válvulas submarinas, a fim de garantir um padrão de custos sustentável e investir em campos de xisto econômicos nos EUA, em vez de projetos caros e distantes ao redor do mundo. As oito maiores empresas integradas de óleo e gás viram suas despesas caírem para US$ 118 bilhões no ano passado, uma redução de 45% em comparação com o pico pré-crise de US$ 215 bilhões em 2013.
A reportagem da Bloomberg também aponta que os custos menores não significam desenvolvimentos ou rendimentos mais fracos. Dominick Chirichella, do Instituto de Gestão Energética em Nova York, afirmou no fim de semana que, apesar da redução de 48% na contagem de sondas em operação nos EUA desde outubro de 2014, a produção petrolífera do país aumentou 36% desde então. De acordo com a Agência de Informações Energéticas dos EUA (EIA, na sigla em inglês), a produção total de petróleo já atingiu o recorde de 12,2 milhões de barris por dia (bpd), e a expectativa é que chegue a 13 milhões de bpd até o fim de 2020.
As previsões mostram que, até o ano de 2025, os EUA produzirão cerca de 24 milhões de bpd, ou seja, mais petróleo e derivados do que a Arábia Saudita e a Rússia juntas. Isso se deve, em parte, ao enorme salto na eficiência das perfurações, uma das muitas evoluções ocorridas a indústria de shale, que não tem tanto destaque quanto os volumes recordes de petróleo produzidos.
Também não tem sido foco das discussões energéticas o potencial das grandes petrolíferas de se tornarem ainda maiores nos EUA e sugarem as empresas de perfuração menores e independentes, que compõem a maioria da indústria.
Segundo Kilduff :
“Com a chegada de grandes petrolíferas no Permiano, as empresas independentes estão sendo pressionadas pelos bancos a gerar mais dinheiro ou ir embora.”
“Os aspecto mais interessante do shale foi a união de todos os pequenos operadores independentes para mudar a dinâmica do jogo. Mas se as grandes corporações petrolíferas adquirirem essas empresas menores, acabarão controlando o shale, os preços do petróleo nos EUA e a destinação do produto.”
Ameaça à participação saudita no mercado asiático
Esse petróleo está sendo cada vez mais destinado à Ásia, mercado mais protegido pela Arábia Saudita. Apesar de os cortes de produção realizados pela Opep+, formada por 25 países produtores de petróleo e liderada por Riad, terem aumentado os preços do produto em 25% neste ano, é de conhecimento geral que essas reduções se aplicam quase que exclusivamente ao mercado norte-americano, que publica os dados mais transparentes de oferta e demanda e é o mais influente na precificação mundial do petróleo. Enquanto isso, os sauditas vêm fornecendo fielmente quase todos os barris solicitados pelas refinarias asiáticas, que podem escolher entre o petróleo árabe ultraleve ou a fração doce muito leve dos EUA.
Para a consternação dos sauditas, a S&P Global Platts relatou, no início de fevereiro, que as exportações de petróleo dos EUA para a Ásia aumentariam em março e abril, enquanto a queda nas tarifas de frete tornam os carregamentos norte-americanos mais competitivos frente aos barris da Ásia ou do Oriente Médio.
As exportações petrolíferas dos EUA recentemente ultrapassaram o recorde de 3,6 milhões de bpd. Ainda segundo a Platts, embora não haja uma discriminação nacional das exportações petrolíferas dos EUA para a Ásia, houve um aumento na demanda do óleo norte-americano, já que ele era consistentemente negociado com desconto em relação às frações leves e médias do Golfo Pérsico.
Exportações de petróleo dos EUA em ascensão
Obviamente, para que as exportações petrolíferas dos EUA continuem crescendo dessa forma, serão necessários oleodutos suficientes para contornar os gargalos logísticos que há anos vêm obstruindo o trânsito do óleo para fora do Permiano e de outras bacias de xisto, como a de Bakken.
Mas até mesmo isso para estar sendo equacionado: A expectativa é que a capacidade dos oleodutos do Permiano triplique para 9 milhões de bpd até o fim de 2021. O Bakken, que registrou uma capacidade de 1,4 milhão de bpd em novembro, pode produzir 1,8 milhões até o fim do ano que vem.
Kilduff concluiu:
“As estrelas estão se alinhando para as grandes petrolíferas assumirem o controle do shale e determinarem os preços do petróleo leve na Ásia, para não dizer no mundo. Elas serão a Opep com um nome diferente.”