Há dez dias, os motores dos caminhões que abastecem todo o país foram desligados. O modal mais importante da logística brasileira resolveu entrar em greve. Nesse texto, vou tentar explicar a pergunta que o brasileiro quer entender: por que os caminhoneiros pararam?
Por várias razões. Algumas até legítimas. No fim do segundo governo Lula, a equipe econômica à época incentivou a compra de caminhões via empréstimos subsidiados pelo BNDES. Isso resultou em um aumento significativo da frota: 40% até hoje.
O problema é que os anos seguintes foram de forte retração e o setor ficou com excesso de oferta. Por consequência, o preço cobrado pelo caminhoneiro para transportar a mercadoria da contratante – o frete – caiu. Em 2016, a presidência muda e a direção da Petrobras (SA:PETR4) também. Pedro Parente resolve adotar a política de ajuste diário dos preços do combustível vendido às distribuidoras e Temer promete de pés juntos que não irá interferir.
Na prática, isso não agradou os caminhoneiros. Os contratos de frete eram fechados com uma certa antecedência e cobriam o gasto com diesel de acordo com o preço do dia. Se o preço da gasolina subisse, o caminhoneiro deveria tirar do próprio bolso para pagar a diferença. Se por sorte o preço descesse, ele economizava – sem nenhuma felicidade pois tinha que torcer para esse dinheiro ser suficiente para a manutenção do seu veículo.
Por fim, o estopim da greve. Por conta do cenário internacional, o real desvalorizou e o preço do barril de petróleo subiu. Os caminhoneiros pararam, alegando condições precárias de trabalho. Com base no cenário acima, reivindicações são razoáveis. Obstruíram as estradas, ato que é injustificável. Depois, perceberam que parar o país era mais fácil sem perder a legitimidade. Liberaram uma ou duas faixas das rodovias mas continuaram sem trabalhar. Seja por orientação de seus patrões ou por livre iniciativa, conseguiram o que queriam.
Hoje, o país chega ao seu décimo dia de greve. Cidades sem combustível, hospitais com insumos escassos e mercados desabastecidos dominam o noticiário desde a semana passada. O governo amargou um “acordo” na última sexta para inglês ver e, no domingo, finalmente deu à classe dos caminhoneiros quase tudo do que eles demandavam.
O pacote conta com a redução para zero da Cide e do PIS/Cofins até o final do ano e a redução de R$0,46 do preço do litro do diesel por 60 dias. Ainda, os ajustes no preço serão mensais, haverá tabela mínima de fretes e o setor rodoviário de cargas não será reonerado.
O balanço é negativo em todos os sentidos: o contribuinte, muito provavelmente, vai arcar com os gastos adicionais do governo. Temer e sua equipe finalmente esgotaram qualquer credibilidade política que ainda tinham – ficaram pateticamente à mercê de uma classe que fez o possível e impossível para se privilegiar em detrimento de outros setores. Até Pedro Parente é alvo de críticas da oposição e a Petrobras perdeu valor de mercado. Os únicos felizes com a resolução são os caminhoneiros. Gradativamente as coisas devem voltar ao normal, apesar de alguns infiltrados que insistem em andar na contramão do progresso.
Não existem culpados na história toda. A greve só reforçou a convicção de que o país carece de planejamento, prevenção de crise e, para além disso, denuncia a lógica corporativista e de interesses pessoais da qual nós, cidadãos, ainda somos reféns. Passa-se por cima das leis e das instituições para garantir privilégios. Não há nada de novo nessa jogada.
O que não existem também são soluções fáceis para a questão do combustível: é curioso ver a maioria dos pré-candidatos e seus gurus econômicos oferecendo respostas simples para o problema. A racionalidade e a inteligência são meu monopólio; os outros não entendem nada de nada.
Temer optou primeiro pelo teto de gastos e logo em seguida reformaria a Previdência. Hoje ficamos sem a reforma previdenciária e com gastos cada vez mais próximos de estourar o teto, que após a próxima eleição pode muito bem ser revogado. Nada é simples.
O Brasil precisa parar de remendar soluções e conceder privilégios. A janela de oportunidade está datada para daqui quatro meses, mas resta saber se as lições que devem ser aprendidas por causa da greve mudarão o comportamento do cidadão médio. O momento atual exige maturidade e reflexão séria sobre o país que gostaríamos de desenvolver. Até no setor privado deve-se pensar em qual ambiente de negócios se quer atuar daqui cinco, dez anos. É um momento de transição e que, mais do que nunca, exige o engajamento político para que episódios como esse não ocorram novamente. Afinal, ninguém aguenta mais pagar conta dos outros.