Enquanto as notícias sobre vacinas contra a covid-19 animam os mercados internacionais, alimentando o apetite por ativos de risco mundo afora; aqui só medidas fiscais podem salvar o Brasil da beira do precipício. A desconfiança local em meio às “falsas narrativas” do ministro Paulo Guedes se contrasta com o otimismo no exterior, em meio à paralisação da pauta de votações no Congresso, que deixa os investidores à espera de um milagre.
Indefinições sobre as reformas, o Orçamento para 2021 e um novo programa de transferência de renda continuam impedindo os negócios locais de acompanharem o rali externo, à exceção do Ibovespa. A Bolsa brasileira continua se beneficiando da volta dos investidores estrangeiros, que já colocaram mais de R$ 25 bilhões na renda variável apenas neste mês. Esse fluxo, porém, não enfraquece o dólar, que segue incrustado nos R$ 5,40.
As mazelas das contas públicas no Brasil também continuam empinando a curva de juros, com os investidores temerosos de que o risco fiscal irá obrigar o Banco Central a subir os juros básicos (Selic) antes do previsto. Dados prévios da inflação oficial ao consumidor brasileiro (IPCA-15) neste mês, a serem conhecidos hoje, devem reforçar as preocupações com o acúmulo de pressão de alta nos preços, coagindo ainda mais o BC.
Todas essas incertezas levaram os investidores a buscar proteção (hedge) no dólar ontem, ao mesmo tempo em que demandavam prêmio nos juros futuros, ainda que sem atrapalhar a festa da Bolsa. Mas a confiança do investidor está abalada e apenas medidas concretas de ajuste, que respeitem a regra do “teto dos gastos” são capazes de restaurar esse sentimento. Do contrário, os riscos vão continuar sendo embutidos nos preços dos ativos locais.
Exterior positivo
Por ora, ainda não se fala em um total descolamento do mercado doméstico em relação ao desempenho no exterior. Até porque o noticiário internacional segue positivo e embalando os negócios em nível global. Os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram em alta firme, animando a abertura do pregão europeu, após uma sessão de ganhos na Ásia - exceto em Xangai (-0,3%). O dólar afunda, enquanto ouro e petróleo avançam.
Wall Street reage à notícia sobre o início do processo de transição formal de poder na Casa Branca, autorizado pelo presidente Donald Trump, que dará lugar a Joe Biden em 20 de janeiro. Os investidores também digerem os relatos, ainda não confirmados, de que a ex-presidente do Federal Reserve Janet Yellen deve comandar o Tesouro dos Estados Unidos durante o governo democrata.
Yellen perdeu o posto para Jerome Powell no Fed, após um processo seletivo conduzido por Trump, e é conhecida por uma postura suave (“dovish”) na condução da política econômica. A nomeação dela ao cargo de secretária do Tesouro reforça as chances de um novo pacote fiscal robusto a ser lançado nos EUA, ao mesmo tempo em que enfraquece a possibilidade de medidas agressivas, como aumento de impostos.
A diferença, portanto, entre o cenário externo e o doméstico é que lá fora o horizonte está ficando cada vez mais claro, removendo as incertezas sobre a sucessão presidencial nos EUA, ao mesmo tempo em que o êxito nos testes de imunização ao coronavírus alimentam esperanças de vida normal em breve. Já no Brasil, o risco fiscal e a segunda onda de covid-19 não serão dissipados apenas com a tentativa do governo de reverter o cenário “no gogó”.
Inflação em destaque
A prévia deste mês da inflação oficial ao consumidor brasileiro (IPCA-15) é o destaque da agenda econômica desta terça-feira. Apesar da desaceleração mensal para 0,70%, será a maior taxa para o mês em cinco ano, com o acumulado em 12 meses superando o centro da meta de 4% perseguido pelo Banco Central para este ano, indo a 4,15%, depois de ficar quatro meses seguidos abaixo do piso do intervalo de tolerância, até agosto.
Os números oficiais serão divulgados às 9h. Já no exterior, saem dados sobre os preços de imóveis residenciais nos EUA em setembro (11h) e sobre a confiança do consumidor norte-americano neste mês (12h). Na zona do euro, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, participa de debate sobre a economia global organizado pelas Nações Unidas, a partir das 11h.