A semana foi encurtada pelos feriados nos EUA, na segunda-feira, e no Brasil, na quinta-feira. O contrato futuro de açúcar em NY, com menor volume, encerrou a sexta-feira a 17.69 centavos de dólar por libra-peso, para o vencimento julho/21, uma variação positiva de 33 pontos em relação à semana passada, ou 7.28 dólares por tonelada. O real continuou se valorizando em relação à moeda americana e fechou a R$ 5,0479, apreciando 3.4% na semana. Já as cotações convertidas em reais, encolheram cerca de 35 reais por tonelada até o final da curva (março/22).
O hidratado chegou na paridade com o açúcar e como falamos há algumas semanas, tenho algum receio de que usinas com aperto financeiro possam empurrar seus compromissos de entrega de açúcar desta safra para a próxima e fazer mais etanol para aproveitar os preços bem acima do nível de fixação. Espero estar muito errado.
O mercado continua irregular, imprevisível e inconsistente e o que se vê, na maioria das vezes, é um amoldamento da narrativa de tal sorte, que ela possa justificar as altas e as baixas nos fechamentos diários do mercado. É pau, é pedra, é a falta de chuva, á muita chuva, é o ciclo de alta das commodities, é o fim do mês, é o início do mês. Uma variedade de justificativas.
Nós (humanos) não fomos programados para não ter respostas concretas aos nossos questionamentos. E quando se trata de commodities, nossa visão não poderia ser diferente. Como diria Taleb no delicioso livro “Iludido pelo Acaso”: “tendemos a olhar para o que confirma nosso conhecimento, e não para a nossa ignorância”. Não é à toa que precisamos de narrativas que justifiquem o que ocorre em nossa volta. Ou, quando acreditamos piamente num conceito, numa história falsa compartilhada em grupos de WhatsApp ou num político corrupto, procuramos olhar apenas a parte de justifica nossas escolhas. Uma boa dose de “não sei” seria de bom tom para nossas análises diárias. Ainda Taleb, “a dificuldade é o que desperta o gênio”.
A notícia de grande impacto na semana veio da Índia, embora não tenha se refletido (ainda) nas cotações da bolsa de futuros de NY. O governo indiano em linha com a política nacional de biocombustíveis examina antecipar o aumento do percentual de etanol misturado à gasolina dos atuais 10% para 20% em 2023 (era 2025). Para atender à demanda de etanol nesse percentual, a Índia vai precisar de 12 bilhões de litros, uma parte vinda de grãos e 7 bilhões de litros vindos da cana.
A redução da dependência na importação de petróleo com a alocação de mais cana para a produção de etanol, fortalece o mercado interno de açúcar da Índia, cujo consumo vai saltar dos atuais 28.5 milhões de toneladas para 31.0 milhões de toneladas em cinco anos, diminui a disponibilidade de açúcar para o mercado internacional e reduz o gasto do governo com subsídios. O governo é favorecido por menor gastos em US$ na importação de petróleo, menos gastos em rúpias para o subsídio de exportação de açúcar, provocando o natural fortalecimento do mercado interno e o enxugamento de excedentes para a exportação.
Para o Brasil, se delinearmos o cenário de uma década adiante, grandes são as chances de a Índia – caso não expanda o cultivo de cana – tornar-se ao final desta década um importador de açúcar, deixando para o Brasil a dura missão de suprir o mercado internacional que deve crescer, pelo menos nos próximos 5 anos, a uma taxa conservadora de 1% ao ano.
Quando digo “dura missão”, não estou sendo irônico. A expansão da área canavieira no Brasil nos últimos 10 anos foi de 0.83% ao ano. O consumo de etanol total cresceu 1.75% ao ano, no mesmo período. O PIB brasileiro tem crescido abaixo do PIB mundial. Se imaginarmos um quadro de recuperação da economia, com a retomada do consumo de combustíveis, não é difícil afirmar que vamos precisar de mais cana para atender a demanda que se avizinha.
Antes da pandemia, o consumo de combustíveis (ciclo Otto) estava crescendo à média de 3.8% ao ano nos últimos dez anos. O baque sofrido pela economia brasileira devido à pandemia reduziu o crescimento em dois pontos percentuais. Resumindo, olhando dez anos adiante, podemos ter a combinação de vários fatores com maior ou menor intensidade, mas claramente construtivos em termos de trajetória dos preços internacionais do açúcar:
- a) Índia sendo um exportador apenas residual de açúcar;
- b) maior demanda mundial para os combustíveis renováveis;
- c) recuperação da economia brasileira com expansão no consumo de combustíveis;
- d) aumento da frota brasileira de veículos leves;
- e) consumo mundial de açúcar ampliando em pelo menos 1% ao ano para os próximos 6 anos, liderado pela Ásia;
No entanto, para que o Brasil possa aproveitar o desafio que deve chacoalhar o setor nos próximos anos, qual seja, o de suprir a provável expansão no consumo interno de combustíveis e o vigoroso aumento do consumo per capita de açúcar na Ásia, o País terá que – assumindo que manterá a mesma participação no mercado internacional – encerrar a década de 20 moendo entre 780 e 850 milhões de toneladas de cana. Grosso modo, entre 15 e 20 novas/renovadas usinas moendo pelo menos 5 milhões de toneladas por ano.
Vai ser uma década que promete prosperidade ao setor. Mais ainda se fusões e aquisições ocorrerem juntamente com a entrada de novos e financeiramente robustos atores. Meu maior receio é uma eventual interferência deletéria do governo federal na política de formação de preço da gasolina retrocedendo aos anos de preços administrados favorecendo grupos de apoiadores políticos.
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Um bom final de semana a todos