Um leitor me provoca dizendo num e-mail que “quem anda na contramão do mercado acaba encontrando uma jamanta pela frente”. Evidentemente que o condutor na contramão citado pelo preclaro leitor, sou eu. Ele se refere ao fato de eu “ainda” não ter subido no trem da felicidade que os altistas estão clamando a todos para embarcar. O destino indefectível, segundo ele, são os trinta centavos de dólar por libra-peso.
Fico sempre com um pé atrás quando mercados mudam de maneira tão rápida num período tão curto de tempo sem ter algum fator fundamentalista novo que o sustente. Como não tenho e nunca tive a pretensão de ser o dono da verdade, mas meu conselho é não tomar nada como uma verdade inexorável e indiscutível. Pelo menos as décadas de experiência me serviram de alguma coisa, pelo simples fato de termos passado inúmeras vezes por situações similares. Desconfie sempre, pergunte sempre. Atenha-se aos fatos.
Sete pregões foram suficientes para que o mercado futuro de açúcar em NY subisse mais de 250 pontos embalado pelas notícias um tanto quanto requentadas de que a Índia não vai exportar um grama de açúcar na próxima safra que se inicia em outubro e que o déficit mundial provocado por reduções também na disponibilidade de açúcar da Tailândia se aproxima dos seis milhões de toneladas. Parece ser uma notícia bombástica. E foi, pelo menos para os consumidores finais (industriais que usam o açúcar como matéria prima para seus produtos), que entraram fixando suas compras antes que o mercado revisite o pico de preço visto em abril.
Mas, quem comprou mesmo, não foi nenhum dos participantes ligados ao mercado físico do açúcar. Os fundos, segundo o COT (Commitment Of Trades), relatório dos comitentes, publicado na sexta-feira pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities, com base na posição da terça-feira passada, compraram mais de 30.000 lotes (no momento que esse comentário foi escrito, não tínhamos ainda obtido o número exato).
Temos dito nesse espaço que o ponto de virada em termos de preço seria provocado pelo clima, aqui ou lá fora, e também por eventual recrudescimento do mercado de energia. Preocupação do governo indiano acerca da inflação naquele país é um dos argumentos dos analistas para que as exportações sejam banidas empurrando os preços do açúcar para baixo no mercado interno indiano. A inflação indiana, segundo o periódico The Economist está estimada em 5.5% para o ano de 2023. Não parece nada dramático. No entanto, em ano de eleições os políticos adoram lançar mão de velhos truques populistas para agradar a população. Isso ocorre no planeta, não apenas na Índia.
Sigamos, pois, com uma análise um pouco mais criteriosa. O preço do açúcar em NY subiu de fato 279 pontos da mínima ocorrida em 23 de agosto (23.08) até a máxima desta sexta, de 25.87 centavos de dólar por libra-peso. No entanto, curiosamente, a posição de contratos em aberto em NY nesse mesmo período subiu apenas 20.000 contratos. Dez mil contratos na 23/24, que entendemos ser a posição dos consumidores fixando preços e fazendo a troca de futuros. E, para a 24/25 apenas 8.000 contratos que devem ter sido de novas fixações por parte das usinas aproveitando os bons preços. Atenção: esses números são diferentes do COT (Commitment Of Trades), relatório dos comitentes, acima pois tomam por base a diferença da posição em aberto em futuros publicada diariamente pela ICE (a bolsa de futuros de açúcar em NY).
O mercado subiu, uma vez mais, na esteira de narrativas altistas que não possuem consistência suficiente para manter o mercado nesses patamares elevados. Mas, por que? Primeiramente, o Centro-Sul vai produzir pelo menos 615 milhões de toneladas de cana que vão resultar em 38-39 milhões de toneladas de açúcar número suficientemente grande para abastecer eventuais déficits pontuais. Segundo, que a próxima safra deve igualmente ser promissora e as usinas estão plenamente satisfeitas com os preços obtidos, tanto é que estão aproveitando essa alta e fixando mais volume.
Como já disse no começo, não tenho pretensão de ser o dono da verdade, mas não é com sete pregões de alta de 250 pontos que vou embarcar no trem dos altistas. Ainda não, pelo menos. Pode ser que esse mercado continue subindo, mas não posso tomar essa decisão com base em argumentos tão inconsistentes. Sou adepto daquela velha máxima: “mercados sobem pelas escadas e descem de elevador”.
Por último, mas não menos importante, é que o basis (prêmio/desconto do físico em relação ao mercado futuro) negocia a menos 35 FOB. Ora, mercado altista impulsionado pela falta ou perspectiva de falta física do produto negociam com prêmio, não com desconto. É claro que a falta de espaço para armazenar açúcar no porto tem implicado em desconto maior no basis. Mais de 80 navios estão aguardando para embarcar açúcar nos portos brasileiros.
Como sempre ocorre em situações como essa, em que todo mundo começa a ficar altista, as usinas recolhem o trem de pouso, ou seja, suspendem as fixações de preço, e começam a sonhar com preços mais altos que podem nunca vir. Você, caro leitor e estimada leitora, não sabe para onde vai o mercado assim como eu. Mas, o que você sabe é que R$ 2,760 por tonelada como média para a safra 24/25 é um preço remunerador que ocorreu – segundo levantamento da Archer Consulting, em apenas em 8% de todos os eventos de 2000 para cá.
Nossa visão para a safra 25/26 indica parcimônia na hora de fixar preços. Ainda é um caminho muito longo até lá e a trajetória de preços pode ser afetada. Mas, como os preços são atrativos, é recomendado que eventual fixação de venda seja acompanhada da compra de uma opção de compra fora-do-dinheiro transformando a estratégia numa put sintética, isto é, obtém-se um preço mínimo remunerador com a participação numa eventual alta do mercado.
Fique atento! Se você está embarcando no trem dos altistas, saiba que você está seguindo os fundos e não os fundamentos. O trem-fantasma parece ser alegre e divertido, mas pode dar medo no meio do caminho.
Segunda-feira NY estará fechada devido ao feriado do Dia do Trabalho.