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Nassim Taleb: “Nunca Peça Opinião, Previsão ou Recomendação a Alguém”

Publicado 26.03.2021, 08:45
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O polêmico Nassim Taleb, cujo impressionante sucesso no mercado financeiro, na academia e por instigantes obras como “A Lógica do Cisne Negro” e “Arriscando a Própria Pele” o tornaram uma personalidade notória mundialmente, é também um expoente da minha área de pesquisa em Julgamento e Tomada de Decisão. Apesar da sua retórica por vezes exagerada e beligerante, tendo os economistas como um dos alvos frequentes dos seus petardos, e pela evidente carência de adequada fundamentação científica de algumas de suas ideias, é inegável a sua contribuição com conceitos e princípios com aplicabilidade extremamente prática relevante.

A frase de autoria do Taleb e citada no título deste meu artigo consta no seu livro “Antifrágil” e possui o seguinte complemento: “Basta perguntar o que eles têm – ou não têm – em seu portfólio.”. Se descontarmos a clara hipérbole, figura de linguagem tão apreciada e também aqui utilizada pelo Taleb, é possível focar em dois aspectos fundamentais ressaltados pelo mesmo: a imprevisibilidade dos mercados e os conflitos de interesses.

Ambos os aspectos são mais do que relevantes, tornam-se urgentes em um mercado no qual há um aumento expressivo do número de novos investidores em renda variável e no qual a competição é cada vez mais agressiva entre instituições e assessorias financeiras de naturezas diversas. Se o maior nível de competição no mercado claramente favorece os investidores em inúmeros aspectos importantes, por outro lado aumenta a incidência de práticas não transparentes, antiéticas e até mesmo ilegais por parte de muitos competidores.

A imprevisibilidade dos mercados

Assim como ocorre em muitas áreas das ciências naturais e, ainda mais, das ciências humanas, a Economia em geral é um “ambiente de baixa previsibilidade” (“ambiente de baixa validade” em linguagem científica, envolvendo um significativo grau de incerteza e imprevisibilidade), o que se reflete diretamente nos mercados financeiros e que também apresentam esta característica. Isto significa que previsões macro e microeconômicas e também as relativas ao desempenho futuro de ativos financeiros, entre muitas outras, tem pouco valor prático por falharem na grande maioria das vezes. Na verdade, conforme já demonstrado pelas Ciências Comportamentais o seu valor é basicamente psicológico, ao satisfazer a aversão atávica e profunda do Homo Sapiens à incerteza e ao desconhecido.

Esta reduzida capacidade preditiva é evidenciada de forma contundente ao compararmos as previsões com os resultados efetivos posteriores, como, por exemplo, o Boletim Focus semanalmente publicado pelo Banco Central do Brasil com projeções do mercado para índices de preços, atividade econômica, dólar, taxa Selic e outros. Não obstante serem o resultado consolidado das projeções de cerca de 140 bancos, gestores de recursos e outras instituições (empresas do setor real, distribuidoras, corretoras, consultorias, etc.), o nível de acerto é muito baixo. Este fato é corroborado pela constatação de que o “Ranking Top 5” das instituições com melhor desempenho preditivo, também divulgado periodicamente pelo Banco Central, oscila enormemente, com nenhuma instituição (nem mesmo grandes bancos) apresentando desempenho consistentemente superior.

O mesmo padrão é observado nas previsões relativas a ações de empresas negociadas em bolsas de valores e em muitas outras das áreas de Economia e Finanças. A razão para este fenômeno é que se tratam de sistemas extremamente complexos, com um número considerável de variáveis e, ainda mais relevante, de agentes econômicos sujeitos a comportamentos inconsistentes e essencialmente imprevisíveis, apesar de muitas tendências serem já conhecidas pelas áreas de Economia e Finanças Comportamentais.

“O maquinário criador de sentido do Sistema 1 faz com que vejamos o mundo como mais ordenado, simples, previsível e coerente do que na realidade é. A ilusão de que se compreende o passado alimenta a ilusão adicional de que se pode prever e controlar o futuro. Essas ilusões são tranquilizadoras. Reduzem a ansiedade que experimentaríamos se nos permitíssemos admitir inteiramente as incertezas da existência.” (Kahneman, Nobel de Economia em 2002).

Os conflitos de interesse

Existem diversas definições sobre “conflito de interesses”. Mehran & Stulz (2007) o conceituam como sendo “... quando uma parte em uma transação pode ganhar tomando ações que são prejudiciais à sua contraparte”. Esta relevante questão do inerente conflito de interesses que há, em maior ou menor grau, na relação entre investidores e bancos, corretoras e consultores e assessores financeiros foi evidenciada pela minha Tese de Doutorado desenvolvida no COPPEAD/UFRJ em parceria com a CVM. Tal questão tem motivado uma tendência internacional de crescente regulamentação e fiscalização (inclusive sobre verificação de “suitability”), a qual foi fortemente alavancada pela crise das hipotecas subprime que se originou nos EUA em 2007.

Os conflitos de interesse são materializados de inúmeras formas, algumas das quais se sobressaem ainda mais: modalidades não transparentes para o cliente de comissionamento para aqueles que os atendem e produtos claramente desvantajosos como títulos de capitalização, por exemplo.

Portanto e conjugado com a imprevisibilidade dos mercados, este aspecto fundamental também respalda em boa parte a recomendação do Taleb de jamais solicitar opinião, previsão ou recomendação de alguém. Desta forma, é essencial ficar atento ao significativo risco sempre que este alguém tem algo a ganhar, direta ou indiretamente e de forma não completamente convergente com os seus interesses como investidor, com a sua decisão, seja ele um “influenciador” (interessado em alavancar a sua audiência e os ganhos decorrentes desta), gerente de banco (ansioso para bater as suas desafiadoras metas de desempenho), etc.

O que precisamos fazer

Conforme já recomendei em outro artigo que publiquei aqui no Investing.com, a saída para o investidor é confrontar as análises obtidas de fontes independentes entre si e de não criar dependência ou vulnerabilidade por meio do desenvolvimento de um nível de conhecimento pessoal mínimo que seja suficiente para analisar de forma crítica as previsões, informações e orientações obtidas.

Adicionalmente, é essencial desenvolver estratégias de investimento que sejam no mínimo resilientes – idealmente, antifrágeis (que tirem proveito de eventos estressores, como, por exemplo, crises) – diante da incerteza e da imprevisibilidade inerentes à Economia em geral e aos mercados financeiros em particular.

Sob uma perspectiva mais ampla, a abordagem que eu tenho defendido desde o meu primeiro artigo – baseada nos componentes primordiais “conhecimento”, “autoconhecimento”, “processo decisório” e “implementação” – é uma das formas possíveis de lidar com tamanho desafio.

* Ronaldo Deccax é Doutor em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais, Mestre em Administração com ênfase em Estratégia no COPPEAD/UFRJ e consultor em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos. Ele pode ser contactado através do e-mail ronaldo.deccax@coppead.ufrj.br e no LinkedIn.

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