Na coluna de hoje vou falar sobre o comportamento humano em relação aos investimentos, especialmente sobre o timing de mercado para comprar e para vender ações na bolsa de valores. Acredito que o timing de mercado é irrelevante para o rendimento de uma carteira de investimentos num prazo longo superior a dez anos. Aqui estou falando em investir o dinheiro poupado todos os meses de acordo com um portfólio de investimento bem diversificado.
Devia ter comprado mais ações: os memes não param
Acredito que todo mundo recebeu o “meme” abaixo na sexta-feira passada, quando o Ibovespa fechou aos 97.644 mil pontos na sexta-feira passada, uma recuperação de 53,6 por cento desde o fundo do poço do Ibovespa de 63.569 pontos do dia 23 de março.
Aposto que qualquer investidor, eu inclusive, deve ter pensado que deveria ter comprado mais ações para poder ter ganho mais dinheiro. Acontece que é impossível acertar o fundo do poço e poucos investidores pegaram essa alta de 53,6 por cento do fundo até o topo.
Esse sentimento é conhecido como “FOMO” (Fear of Missing Out), em tradução literal “medo de ficar de fora”, nesse caso perder a alta do Ibovespa. Aqui tem também um pouco de inveja de ver alguns investidores que tiveram disciplina, compraram ações nos momentos de pânico e obtiveram um bom rendimento.
Investimento de longo prazo x trading de curto prazo
Caro leitor, não se iluda: esses “trades” de curto prazo são irrelevantes para o rendimento da sua carteira de investimentos no longo prazo.
Os investidores dão muita importância a qual ação querem ter na carteira e se conseguem “comprar bem” por alguns centavos abaixo do preço do mercado e perdem de vista o tamanho das posições por classes de ativos no portfólio de investimentos.
Acredito que o mais importante é determinar o tamanho de cada classe de ativos numa carteira de investimento, pois o maior erro que um investidor pode cometer é fazer uma posição grande demais e elevar demasiadamente o risco dos seus investimentos.
Exemplo da vida real
Esses dias estava analisando o portfólio de investimentos de um espólio (herança) de uma família de um grande amigo meu. Foi definido na política de investimento e perfil de risco que a participação em ações deveria ser de 15 por cento da carteira total.
Boa parte dos recursos estava ainda investido em fundos pós-fixados (DI), com liquidez imediata, no aguardo para a alocação dos recursos de acordo com a política de investimentos aprovada pela família.
Começou uma discussão se era melhor investir agora nos fundos de investimento em ações (FIA’s) ou se era melhor esperar, devido à alta volatilidade das ações? Melhor comprar agora ou esperar uma queda do Ibovespa? Comprar Ibovespa aos 95 ou 97 mil pontos faz pouca diferença no longo prazo.
É tentador querer fazer o timing dos mercados e comprar as ações em baixa e vender na alta, algo muito difícil de se fazer na prática.
Na parcela da carteira de investimentos dedicada à renda variável (ações), que estará exposta ao maior risco, é preciso ter um horizonte de tempo maior e buscar um retorno médio composto, ou seja, pelo menos um rendimento médio de 15 por cento ao ano todos os anos.
Interessante que a escolha do ativo e o seu prazo de vencimento é a última decisão a ser tomada, primeiro é preciso saber qual percentual da carteira e o nível de risco.
Filosofias de investimento
Basicamente existem duas maneiras de ganhar dinheiro com determinado ativo, por exemplo ações: i) investir todos os meses comprando ações de boas empresas, com visão fundamentalista e conceitos de value investing como crescimento de lucros, segurando estas ações para o longo prazo (buy and hold) e; ii) market timing, um investidor que compra/vende ou aumenta/diminui a posição comprada em ações conforme os preços de mercado.
A pergunta que mais recebo é: está na hora de comprar? O preço da ação vai subir ou cair?
Eu não tenho bola de cristal e não tenho a menor ideia qual será o preço de determinada ação no fim do mês. O que eu consigo enxergar é a diferença entre o preço justo de uma empresa e o sua cotação na bolsa. Quando o preço justo de uma ação está bem acima do seu preço de mercado, existe uma margem de segurança para investir naquela ação e obter um bom retorno.
Eu compro aquela ação, fico comprado (buy and hold) e vendo somente quando eu achar que o preço chegou perto do seu preço justo, eu não fico comprando/vendendo conforme os movimentos da Bolsa, que são imprevisíveis.
Se existe uma boa margem de segurança, vamos dizer de pelo menos 50 por cento, não faz diferença o preço da compra hoje, óbvio que é melhor pagar menos, mas pagar 100 reais ou 101 reais (1 por cento mais caro) não faz muita diferença para o rendimento no longo prazo.
Disciplina na hora de investir
Uma vez definido o percentual da carteira de investimento dedicado às ações, conforme o perfil de risco (conservador 10 por cento, moderado 20 por cento, 35 por cento agressivo), é preciso escolher qual tipo de estratégia a seguir.
Existem basicamente duas estratégias: i) passiva, que acompanha determinados índices (Ibovespa, Small Caps, S&P500); ii) ativa, que tem objetivo de obter rendimento acima do benchmark, seja através de carteira de ações ou por fundos de investimento em ações.
Uma vez definida a estratégia de investimentos em ações, deve-se fazer aportes todos os meses, com disciplina, comprando ações à preços de mercado, não ficar tentando acertar o “fundo do poço”.
Prova que o timing de mercado não funciona
Analisando dados desde 1930, o Bank of America descobriu que, se um investidor perdesse os dez melhores dias de alta do S&P 500 em cada década, o retorno total seria de apenas 91%, muito abaixo do retorno de 14.962% para aqueles investidores que se mantiveram firmes durante todo o período, aguentando todas as altas e baixas da bolsa.
É quase impossível programar seu investimento para que você saia na hora certa e volte no momento exato para lucrar com grandes movimentos de alta.
Conclusão
Para obter ganhos consistentes no investimento em ações é preciso seguir uma estratégia definida, ter disciplina (comprar todos os meses) e ter visão de longo prazo.
Acredito que um bom retorno esperado ao se investir em ações é de 15 por cento ao ano. Um crescimento anual composto médio (CAGR) de 15 por cento ao ano no período irá multiplicar o seu patrimônio por três vezes ao longo de 10 anos.
Nem todos os anos será possível obter esse rendimento de 15 por cento ao ano, mas o importante é o retorno acumulado no longo prazo (dez anos).
Os juros compostos são a oitava maravilha do mundo, o que Warren Buffett chama de “compounding interest”, ou seja, ir construindo o seu patrimônio utilizando o tempo e os juros compostos a seu favor.