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Não Pise Tão Fundo, Vettel! A Contradição Ambiental na Fórmula 1 e o ESG

Publicado 23.06.2022, 14:33
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Eu gosto de pegar temas polêmicos do dia-a-dia e fazer uma reflexão sobre os aspectos de ESG. É um exercício interessante e me ajuda na busca do aprendizado e conhecimento sobre o tema.

Neste último fim de semana (17 a 19 de junho) no Grande Prêmio do Canadá de Fórmula 1, o piloto alemão Sebastian Vettel, da Aston Martin, criou uma polêmica interessante sobre a exploração do petróleo canadense e seus danos ao meio ambiente. Ao estampar em seu capacete as frases "Stop Mining Tar Sands" e "Canada's Climate Crime" ilustrada por uma paisagem de terra arrasada em meio a um oleoduto, o piloto tetracampeão de Fórmula 1 polemizou e atraiu a ira de muitos canadenses, em especial da ministra de energia do estado de Alberta, Sonya Savage.

A ministra publicou em suas redes sociais que já viu muita hipocrisia ao longo dos anos, mas essa foi a pior, pois um piloto de F1 correndo pela Aston Martin e patrocinado pela Saudi Aramco (TADAWUL:2222) reclamando sobre "oilsands". Para quem não sabe oilsands, ou "Tar Sands", a qual Vettel também ilustrou em sua camiseta, é uma referência as areias betuminosas, que são exploradas para a extração do óleo utilizando um método diferente do tradicional bombeamento por poços, pois como se encontram próxima da superfície sua extração é feita por métodos semelhantes aos utilizados na mineração.

Mas antes de falar sobre a causa levantada, é evidente que a F1 é um laboratório importante para o desenvolvimento da indústria automobilista. Afinal, mesmo não sendo um bom exemplo de sustentabilidade, foi e ainda é crucial no desenvolvimento de tecnologia de ponta que resulta em ganhos para o meio ambiente. Claro que meio que sem querer, pois nunca foi o objetivo, mas quem poderá negar que foi a histórica busca incessante pela melhor relação consumo x potência da categoria como uma das principais responsável pelo menor consumo e maior proveito da queima do combustível fóssil?

Eu sou suspeito para falar, pois sou apaixonado por corridas desde pequeno, mas para muitos, e parece ser também o caso da ministra de Alberta, não faz qualquer sentido estes pilotos passarem a vida toda dando voltas e mais voltas em pistas ao redor do mundo queimando e esbanjando combustível e emitindo carbono na atmosfera por onde passam, não é mesmo? Eu sempre faço o exercício buscando olhar as coisas pelo ponto de vista de cada lado para não cair na armadilha da polarização, do certo ou errado, nem do 8, nem do 80. Por isso, fui pesquisar melhor sobre o tema, uma vez que fiquei curioso com a polêmica levantada pelo piloto e sua repercussão nas redes sociais com uma avalanche de críticas com a "hipocrisia" do Vettel, como se ele não tivesse moral alguma para falar sobre isso. Bom, até aí vimos mais do mesmo, ultimamente vemos que as redes sociais são usadas para emitir a opinião do nosso “achismo” de forma superficial e sem fundamento, neste caso passou a impressão de ser apenas o sujo falando do mal lavado.

Por esta razão que pensei em fazer um paralelo usando os conceitos do ESG e suas métricas como exercício para ajudar no debate. O fato é que o maior depósito de areia betuminosa do mundo fica em Alberta, no Canadá, e segundo o governo local a reserva é estimada em 173 bilhões de barris, o que a coloca como a segunda maior reserva de petróleo do mundo depois da Arábia Saudita. Por ser um óleo mais pesado de menor valor comercial, sua viabilidade econômica só passou a ser interessante com a alta do petróleo Brent, que no início do século custava pouco menos de US$ 20/barril e hoje é negociada acima dos US$ 110, chegando a atingir recentemente US$ 125 em virtude do agravamento da guerra na Ucrânia. Com essa alta do barril, já em 2001 o Canadá passou a ser o maior exportador de petróleo para os Estados Unidos, superando a Arábia Saudita.

Agora chego finalmente no ponto levantado pelo Vettel: a exploração da areia betuminosa parece trazer ao meio ambiente um efeito colateral enorme, e ainda desconhecido. Como reportado anteriormente, o método de exploração deste óleo é semelhante ao dos processos de mineração, o que resultou até o ano de 2008 na derrubada de mais de 500 quilômetros quadrados de floresta boreal e a criação de mais de 150 quilômetros quadrados de lagoas de decantação contendo resíduos tóxicos resultantes do processo de extração.

Realmente se você fizer uma busca rápida no Google (NASDAQ:GOOGL) é possível ver paisagens desoladoras, com tons de cinza e preto, que fazem jus ao apelido dado a região de "Mordor", referência ao cenário mórbido da Terra Média controlado por Sauron na trilogia do Senhor dos Anéis. Segundo Simon Dyer, pesquisador da Universidade de Alberta, a exploração das areias betuminosas resulta só na emissão de gases de efeito estufa cinco vezes mais se comparado com o método tradicional de exploração por poço de extração.

Simplificando, o petróleo da ministra Sonya é 5 vezes mais poluidor que a patrocinadora do Vettel explora, ponto para o piloto. Outro ponto relevante é o consumo expressivo de recursos naturais para a exploração do óleo, pois exige grandes volumes de gás natural e água para o processo de refino, onde são consumidos até quatro barris de água para a obtenção de um barril de óleo. Para se ter uma ideia, a região de Alberta abriga cerca de 10% da população canadense, mas é responsável pela emissão de 32% dos gases de efeito estufa de todo país. Nem sei se existe esse termo que vou usar, mas posso chamar aqui de uma considerável diferença na pegada ambiental per capita da população dessa região frente aos grandes centros do próprio país.

Ambientalistas também chamam a atenção para a fauna e flora, uma vez que as minas estão localizadas em região pouco povoada e é importante referência para aves migratórias além de vasta floresta boreal que precisa ser suprimida para a mineração da areia localizada abaixo dela. Embora as empresas e autoridades locais aleguem que exista uma recomposição dessa vegetação posterior a extração, o fato é que se trata de uma floresta com árvores até por vezes centenárias.

Para finalizar, o tema ambiental da polêmica é fato que hoje ESG e sustentabilidade viraram as palavras da moda, todo mundo quer ser sustentável, virou ESG na veia, e para minha surpresa descobri que até a própria Fórmula 1 já tem um plano estratégico de sustentabilidade. Em resumo, o objetivo é de neutralizar as emissões de CO2 de suas operações, eventos, logística e corridas até 2030 que hoje representam cerca de 256.000 toneladas lançadas para atmosfera a cada temporada.

Para termos uma referência, cerca de 45% das emissões ficam a cargo da logística e 27,3% são gerados pelas corridas. Para alcançar as metas deste plano ambicioso a F1 fará uso do dispositivo de compensação por meio do plantio de árvores e investindo em tecnologia de sequestro de carbono. Nesse quesito, mais um ponto para o Vettel, afinal não podemos esquecer que pelo menos indiretamente o financiamento da sua patrocinadora deverá ajudar a fomentar este projeto. Já a ministra de energia de Alberta não conta com a mesma retaguarda do piloto, pelo contrário, pois o governo do Canadá vem mudando nos últimos anos sua política ambiental desde a troca do partido que antes governava o país e que era sensível às questões ambientais.

Como pontuei no início deste artigo, não podemos radicalizar, e por isso é até possível enxergar um ponto positivo para a exploração do petróleo em Alberta, pois a região vive um verdadeiro "boom" imobiliário trazendo recursos e dinheiro para a população local e consequentemente melhora significativa da qualidade de vida, enfim, ponto para social. No entanto, perceba como esta ponta do tripé social é antagônica ao da perna ambiental, uma vez que o custo ambiental a se pagar será bem alto.

Voltando a polêmica, a ministra Sonya Savage também deu um “puxão de orelha” em Vettel ao dizer que ao invés de demonizar a extração do óleo de Alberta que as pessoas deveriam se preocupar em reduzir suas próprias pegadas de emissões de carbono, como por exemplo o pedal do acelerador de seu F1, um golaço da Sonya. Talvez ela use até uma bicicleta para ir ao trabalho e a comparação aí vai ficar bem desfavorável ao piloto, mas o fato é que o assunto rendeu tanto que o Vettel resolveu trocar seu capacete para a corrida dominical usando o antigo "No War" em referência a guerra na Ucrânia. Será que o Vettel ouviu a sugestão da ministra e tirou o pé do acelerador? Quem sabe ele não está refletindo melhor e pensando em migrar para a Fórmula E?

 

Sobre o Autor: Eduardo Pujol é Engenheiro Mecânico formado pela FEI e mestre em Tecnologia Ambiental pelo IPT. Com mais de 22 anos de experiência na bolsa de valores, é empresário, sócio de empresas do setor de meio ambiente, SGW Services e Provectus Brasil, e sócio da mesa proprietária Sociedade dos Traders.

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