Podemos dizer que estamos vendo a luta definitiva no mercado de petróleo, mas nenhum golpe sequer será desferido.
No canto azul, exibindo seu tradicional traje branco está Abdulaziz bin Salman, ministro de energia da Arábia Saudita, que já tem um pacto de corte de produção em seu cartel e busca outro.
No canto vermelho, vestindo um terno impecável está Alexander Novak, ministro de energia da Rússia, que tentará continuar no ringue sem dar muitas oportunidades para seu oponente.
E quando o sino tocar na capital da Áustria para os dois pesos-pesados, toda a plateia do mercado de petróleo ficará atenta para ver aonde essa disputa os levará.
Um final feliz ou não?
Deixando de lado as analogias de luta, o que acontecer durante as horas restantes da reunião de hoje da Opep+ em Viena pode fortalecer a aliança mundial de produtores de petróleo no enfrentamento da crise provocada pelo coronavírus e nos cortes de produção necessários à sua sobrevivência.
Ou o grupo acabará perdendo o apoio da Rússia, sua aliada mais importante nos últimos cinco anos, diante de forças de mercado tão destrutivas que podem colocar um ponto final nas seis décadas de existência do cartel.
Para quem precisa de uma atualização sobre a narrativa, o resumo é o seguinte: os ministros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), liderada por Abdulaziz, da Arábia Saudita, estão tentando forçar o ministro russo Novak a aceitar um corte de 1,5 milhão de barris por dia (bpd) na oferta mundial de petróleo, no intuito de mitigar a demanda perdida por causa do coronavírus.
Como observou a Bloomberg em uma reportagem na quinta-feira, a Rússia e a Arábia Saudita diziam, no último mês de julho, que sua aliança, conhecida como Opep+, era um casamento que duraria até a "eternidade".
Após menos de um ano, a visão dos investidores é que o casal agora está à beira de um divórcio, como noticia a Bloomberg. Mas a agência faz uma advertência: “Não é a primeira briga entre Moscou e Riad, e ambos os lados já conseguiram encontrar uma solução satisfatória no passado.”
Mas, e se não conseguirem desta vez?
Se isso acontecer, quem vai sair perdendo será todo o conjunto de países produtores de petróleo, assim como qualquer pessoa física ou jurídica associada de alguma forma à indústria, desde gigantes como a Saudi Aramco (SE:2222) e a Exxon Mobil (NYSE:XOM) até pequenos produtores de shale oil no Texas, estados africanos politicamente vulneráveis, como a Nigéria e a Líbia, além de nações diminutas mas imensamente ricas, como Brunei, que não tem praticamente nada para vender a não ser petróleo.
Jeffrey Halley, analista sênior de mercado da plataforma de negociações online OANDA, descreve a situação como “um desastre para o petróleo, com o Brent caindo quase com certeza para a faixa de US$ 30 a 35 por barril em um cenário como esse". A referência mundial do petróleo fechou um pouco abaixo dos US$ 50 por barril na sexta-feira, seu primeiro fechamento abaixo desse patamar em três anos. Até agora em 2020, tanto o petróleo Brent quanto o norte-americano West Texas Intermediate se desvalorizaram quase 25%.
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O longo e difícil jogo
Em vez de desejar a maldição da Opep+, Halley acredita que Moscou só esteja fazendo um longo e difícil jogo com Riad antes de dizer “sim” aos cortes, a fim de obter um acordo em que sua contribuição não passe de uma miséria em comparação com os cortes sauditas.
O acordo discutido na quinta-feira prevê que os sauditas serão responsáveis pela maior parte do 1 milhão de bpd do acordo, enquanto Moscou se encarregará de equilibrar meio milhão. Muitos dizem que até mesmo isso seria demais para os russos.
“Continuo acreditando que a Rússia esteja fazendo jogo duro na negociação”, declarou Halley, da OANDA, em uma nota ao Investing.com, dizendo ainda que ele “espera que os russos assinem o acordo” ao final.
Roger Diwan, um observador veterano da Opep na consultoria IHS Markit Ltd, concorda com essa visão, segundo reportagem da Bloomberg, ressaltando que nenhum dos dois titãs poderia se dar ao luxo de enfrentar um colapso nos preços. “Trata-se de uma batalha de egos contra a realidade”, afirmou.
Genuíno medo dos russos
Alguns dizem que o que está em jogo é mais do que o ego. Tem a ver com o genuíno medo dos russos de que quanto mais cortarem, mais os produtores de shale oil nos EUA vão exportar para o mundo. E essas exportações roubarão participação de mercado que os russos e sauditas cederam para tentar elevar os preços do petróleo.
Desde 2016, os sauditas e russos concordaram com três cortes de produção no âmbito da Opep+, reduzindo em média 1 milhão de bpd em cada oportunidade. Naquele momento, os Estados Unidos haviam se tornado o maior produtor mundial de petróleo, registrando um recorde de 13,1 milhões de bpd até a semana passada.
Isso não é tudo.
As remessas de petróleo norte-americano também registraram níveis inéditos, o que fez com que o país se tornasse um exportador líquido pela primeira vez na história e um país independente do ponto de vista energético. Na semana passada, as exportações alcançaram mais de 4 milhões de bpd pela primeira vez desde dezembro, apenas quatro anos depois de o governo anterior de Obama ter levantado a proibição de 40 anos às remessas petrolíferas do país ao exterior. Não é de surpreender que os russos, que vinham realizando cortes, não acreditem que o crescimento dos EUA seja uma coincidência.
O erro saudita
No círculo interno da Opep, os sauditas também vinham recebendo críticas por sua tendência de recuar para acomodar Moscou. Novak, por exemplo, rechaçou os cortes propostos por Abdulaziz semanas antes da sua reunião em Viena, apesar de o rei saudita Salman ter pessoalmente entrado em contato por telefone com o presidente russo Vladimir Putin para discutir a matéria primeiro. E desde quarta-feira Abdulaziz está aguardando o retorno de Novak a Viena, sem qualquer certeza quanto ao que acontecerá após o evento.
Tudo isso fez com que alguns membros da Opep ficassem insatisfeitos, particularmente o Irã, que criticou a rival Arábia Saudita por comprometer a soberania do cartel por causa de um país que sequer é membro do grupo. Alguns dentro da Opep argumentam ainda que o Kremlin já se beneficiou demais da aliança, uma vez que os sauditas nunca cobraram os russos por produzirem consistentemente mais do que deveriam com base nos acordos passados.
John Kilduff, sócio do hedge fund de energia Again Capital, de Nova York, afirmou:
“Putin e companhia têm um excelente acordo. Eles só precisam concordar com o que a Opep diz e produzir o quanto quiserem, aproveitando os altos preços conseguidos às custas da Arábia Saudita.”
“Mas a situação dos produtores de shale oil nos EUA é ainda melhor. Eles não precisam cortar um barril sequer e ainda se aproveitam dos esforços sauditas e russos para dar suporte aos preços. Sem falar que estão roubando mercado dos dois também.”